Dor e febre…35 6 37 8 39 40 1 42 c

Saio do Hospital e, já em casa, eu próprio vejo no termômetro o tamanho da minha febre: 39 graus. Nesta temperatura, já deliro, falo pelos cotovelos, avanço no cultivo de idéias literalmente febris. Procuro me conter.
— Sentes dor? (me perguntam; mas péra aí, acho que é a febre, aqui em casa ninguém fala sentes). Está (portanto) com dor? – me indagam.
— Estou, estou sim. Dói pra caralho a minha barriga, em todos os quadrantes da cirurgia.
— Pode explicar melhor? Quadrantes?
Precisava era ficar quieto – de sossego, quietude, ainda que fosse aquele tal silêncio mortal. Descubro que quem tem febre zomba da morte. E que esse é o estado típico de certos heróis, mártires, santos, super-homens, gênios. Pergunto a Nietzsche. Ele, sério, nada manifesta.

Chego a enxergar as coisas parcialmente coloridas, já viram? Olhar pra fora e cor apenas nas árvores, no mais tudo em preto-e-branco? A alucinação visual parece um clip turbinado. Ou será assim mesmo? Ouvir as coisas omitirem parte dos seus sons inconfundíveis; frases soltando sílabas, cachorros a latir só um au: au, e fim.

Para a resposta sobre os quadrantes, visualizo no meu abdomem um país e as duas cicatrizes a cumprir os seguintes trajetos: a da direita (sob meu ponto de vista), desce do Pantanal de Mato Grosso ao Estuário do Prata, são léguas de centímetros costurados. A da esquerda, começa em Minas Gerais e vai até Florianópolis, mais ou menos. Isto é chão, não? São esses os quadrantes que me doem. Dói o país, dói o Mercosul, me dói a barriga, os pontos.

É verão, para todo Hemisfério Sul, menos pra Curitiba – que me conste. Fico aqui em repouso, a estudar minha geopolítica, pensando no futuro desta minguante barriga. A febre? Acho que está baixando, acho que já passou pro velho jacaré ali, embaixo da minha cama.

Ewaldo Schleder

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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