— Sentes dor? (me perguntam; mas péra aí, acho que é a febre, aqui em casa ninguém fala sentes). Está (portanto) com dor? – me indagam.
— Estou, estou sim. Dói pra caralho a minha barriga, em todos os quadrantes da cirurgia.
— Pode explicar melhor? Quadrantes?
Precisava era ficar quieto – de sossego, quietude, ainda que fosse aquele tal silêncio mortal. Descubro que quem tem febre zomba da morte. E que esse é o estado típico de certos heróis, mártires, santos, super-homens, gênios. Pergunto a Nietzsche. Ele, sério, nada manifesta. Chego a enxergar as coisas parcialmente coloridas, já viram? Olhar pra fora e cor apenas nas árvores, no mais tudo em preto-e-branco? A alucinação visual parece um clip turbinado. Ou será assim mesmo? Ouvir as coisas omitirem parte dos seus sons inconfundíveis; frases soltando sílabas, cachorros a latir só um au: au, e fim.
Para a resposta sobre os quadrantes, visualizo no meu abdomem um país e as duas cicatrizes a cumprir os seguintes trajetos: a da direita (sob meu ponto de vista), desce do Pantanal de Mato Grosso ao Estuário do Prata, são léguas de centímetros costurados. A da esquerda, começa em Minas Gerais e vai até Florianópolis, mais ou menos. Isto é chão, não? São esses os quadrantes que me doem. Dói o país, dói o Mercosul, me dói a barriga, os pontos.
É verão, para todo Hemisfério Sul, menos pra Curitiba – que me conste. Fico aqui em repouso, a estudar minha geopolítica, pensando no futuro desta minguante barriga. A febre? Acho que está baixando, acho que já passou pro velho jacaré ali, embaixo da minha cama.
Ewaldo Schleder