Lançado na extinta revista O Cruzeiro, Pererê ganhou revista própria em outubro de 1960. E através dela Ziraldo fez desfilar um mundo de personagens capazes de encantar grandes e pequenos. A começar pelo próprio Saci, de cachimbinho na boca e carapuça vermelha na cabeça, personagem-símbolo do folclore nacional (“Tanto que é o único com nome e sobrenome” – justificava o autor), transformado quase que em um menino, inteligente, cheio de truques e de generosidade, como todos os meninos brasileiros. Tinha apenas uma perna visível (porque a outra, embora também existisse, era invisível – como descobriu Monteiro Lobato), mas isso apenas lhe dava um charme especial.
Em seguida, vinha a turminha toda da Mata do Fundão: o indiozinho Tininim, um bravo e divertido guerreiro da tribo dos Parakatokas, cujo nome foi tirado de um pequeno Txucarramãe; o macaco Alan, comprido e ajuizado; a onça Galileu, meio trapalhão, mas bom-samaritano, sempre às voltas com seus implacáveis caçadores, o Compadre Tonico e Seu Neném; o jaboti Moacir, de profissão carteiro e o único da turma com emprego certo; o tatu Pedro Vieira, sério e habilidoso, cujo maior sonho era ser dentista; Geraldinho, certamente o único coelhinho vermelho do mundo e o caçula do grupo; Boneca de Piche, a namoradinha do Saci, famosa por sua intuição feminina, mas capaz de provocar o ciúme do nosso herói ao dar bola para o primo Rufino, um carioca bom de samba que se mudou para o Fundão; a doce indiazinha Tuiuiú, namorada do Tininin, que também sofre o assédio de Flecha-Firme, filho do cacique da tribo rival; Mãe Docelina, doceira emérita e amiga de todo o pessoal; e, claro, a coruja General Nogueira (no tempo da ditadura militar, teve o nome trocado para Professor Nogueira, por motivos óbvios), sábio e ponderado, cuja missão maior é tentar colocar um pouco de juízo na cabeça da turminha.
Contava Ziraldo que, quando começou a fazer as aventuras do Pererê, ainda não haviam inventado a palavra curtição. Mas hoje ele estava plenamente convencido de que aquela foi a maior curtição de sua vida. E explicava:
— Sem ter feito trinta anos ainda, eu estava vivendo dentro da redação de uma grande revista nacional, no meio do Brasil, no centro dos acontecimentos, os anos mais fascinantes da história da cultura brasileira, onde tudo era novo, o cinema, a bossa da música, o teatro nas praças, o pensamento, as esperanças, as palavras. O Pererê nasceu no meio dessa euforia.
Pois durante quarenta e três meses, a revista circulou, em cores, por todo o Brasil chegando a vender mais de 150 mil exemplares por mês, uma tiragem excepcional na época, rivalizando com Luluzinha, produção importada e então o carro-chefe, no setor de quadrinhos, da Editora Gráfica O Cruzeiro.
Em abril de 1964, juntamente com várias outras boas coisas deste país, Pererê deixou de existir. No entanto, como registraria Moacy Cirne, em “A Linguagem dos Quadrinhos”, Editora Vozes, 1971), Pererê foi “o primeiro grande marco dos quadrinhos brasileiros, e, em termos comparativos, uma obra tão importante quanto o cinema de Glauber Rocha, o romance de Guimarães Rosa ou a poesia de Oswald de Andrade”.
No sábado 6 de abril, foi a vez de Ziraldo nos deixar. Tinha 91 anos. Além de uma obra memorável, está deixando muita saudade.