Duelo de Banjos em Amargo Pesadelo

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Amargo Pesadelo (Deliverance, 1972) é um daqueles filmes de suspense que põem uma faca bem afiada na garganta do espectador desde o início, deixando-o imóvel, tenso, suando frio. O longa conta a história de quatro amigos que se reúnem para descer o rio Cahulawassee desde a nascente até a foz, aproveitando que em breve o rafting na região será inviabilizado pela construção de uma hidrelétrica. Até aí, nada demais, parece ser um filme de aventura estrelado por dois galãs do cinema no auge de suas formas: John Voight (Ed) e Burt Reynolds (Lewis). Só parece. Logo no começo, quando os quatro param em um pequeno vilarejo, o ambiente lúgubre deixa claro que algo desagradável está por vir.

Depois de algum tempo procurando uma alma viva naquele vilarejo, finalmente um senhor taciturno aparece, ressabiado, pensando que o grupo estava envolvido com a construção da hidrelétrica no local – na verdade, eles queriam alguém que levasse seus dois carros até Aintry, na foz do rio, onde os quatro chegariam após o rafting. Quando Lewis pergunta se aquele senhor poderia fazer esse favor, recebe como resposta “vocês são loucos”. A partir daí, fica claro que entre os habitantes da região há um consenso: não é uma boa ideia descer o rio Cahulawassee, embora os quatro amigos não pareçam dar muita ideia para isso, para desespero de quem está assistindo…

Esse ruído de comunicação só é interrompido quando, no alpendre da casa que funciona também como posto de gasolina, um garoto com um banjo surge e chama a atenção de Drew (Ronny Cox), único dos quatro que carregava um violão. A desconfiança mútua se desfaz a partir do momento em que os dois começam a tocar juntos, um respondendo ao riff do outro. Em meio ao duelo, Bobby (Ned Beatty) observa que o garoto com o banjo aparenta ter deficiências genéticas, ao que um dos moradores do vilarejo responde: “quem está tocando o banjo aqui?”. A cena, eternizada como o “duelo de banjos”, é lembrada pelo Frames para Sempre da semana.

Aliás, essa é uma boa oportunidade para desfazer uma das lendas criadas em torno desta parte do filme: o garoto que toca banjo não é autista. Seu nome é Billy Redden, e ele foi selecionado durante um teste de elenco na Clayton Elementary School, na Geórgia. Os traços de deficiência genética que eram descritos no livro homônimo de James Dickey, que deu origem ao filme, foram simulados com uma maquiagem especial aplicada em Billy. Ele também participou do filme Peixe Grande e sua histórias maravilhosas (Big Fish, 2003), de Tim Burton. E o autor do livro, por sinal, faz uma ponta no filme como um xerife da comunidade.

Amargo Pesadelo fez um sucesso inesperado para o orçamento do filme, de U$ 2 milhões; foram três indicações aos Oscar, nas categoria de melhor filme, diretor e edição, além de um faturamento de U$ 46 milhões. O caráter low-profile do filme se evidencia na falta de dublês mesmo para as cenas mais arriscadas – Burt Reynolds chegou a quebrar o cóccix em uma das cenas que escorrega pela cachoeira. Sem grandes efeitos ou enredo mirabolante, o filme retrata pessoas normais que envolvem-se em situações insólitas, tendo que tomar medidas drásticas para continuarem vivas, a despeito de suas convicções morais e éticas. Um filme imperdível, especialmente para quem gosta do gênero suspense/thriller. A direção é de John Boorman.

Resenha no Divã

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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