Foto de Fabio Rodrigues Pozzebom
A inversão de valores no Brasil ficou tão comum que somos apanhados o tempo todo em situações surrealistas, como acontece agora com essa história dos presidentes da Câmara e do Senado empenhados em moralizar a administração das estatais brasileiras. Renan Calheiros, o moralizador do Senado, já esteve numa outra vez na presidência da Casa e de lá teve que sair às pressas para evitar a cassação de seu mandato. Nossa imprensa anda desacostumada de fazer seu serviço direito e por isso certos fatos acabam esquecidos. A bem da verdade, se fosse para moralizar mesmo o Brasil, políticos como Renan Calheiros deviam estar há muito tempo em outros lugares, aqueles com janelas e portas gradeadas e fechadas por fora.
Eu bem me lembro que na época desta treta do senador Calheiros, quando ele foi acusado de receber propina de empreiteiras, havia também uma amante dele, de nome Mônica Veloso, com quem ele tem uma filha. O aluguel do apartamento dessa amante e a pensão alimentícia da filha dos dois seria paga por essas construtoras, esta era a denúncia. Ali deveria ter sido interrompida a carreira política de Renan Calheiros e não que houvesse faltado motivo para que isso tivesse sido feito antes. Mas naquela vez havia um conjunto de provas de que, definitivamente, ele é uma figura nefasta da política brasileira. Tanto é assim que, em vez de mostrar sua inocência ele preferiu renunciar à presidência e acertar as coisas no silêncio dos bastidores.
E aí está hoje o senador bolando lei para moralizar nossa estatais. O projeto tem até carimbo de marqueteiro, no batismo pretensioso de “Lei de Responsabilidade das Estatais”. E Renan Calheiros tem como parceiro desta cruzada moral administrativa o deputado Eduardo Costa, atualmente ocupando a presidência da Câmara Federal, o que faz jus ao caráter desta Casa e por isso mesmo configura também um símbolo da deterioração política do nosso país. Costa é velho conhecido de quem acompanha mais de perto a política brasileira, desde os tempos em que sua parceria era com tipos notórios como Anthony Garotinho. As denúncias que pesam contra ele em sua carreira já bastavam para que sua posição estivesse restrita no máximo ao obscurecido “baixo clero” do Congresso Nacional, mas aí está ele, em destaque na política nacional e formando dupla bastante apropriada com Renan Calheiros em prol do bem comum.
A parceria dos dois é até bastante estranha e não só pelo inusitado tema da moralização pública, escolhido para o trabalho em conjunto, mas também porque nunca se viu antes em público os dois atuando juntos. Não sei se a Polícia Federal escondeu algo de nós no passado sobre esta sintonia, mas até agora esta dupla dinâmica era desconhecida em atividade aos olhos da opinião pública. No entanto, a PF trouxe recentemente algo que os liga estreitamente. Foi a denúncia sobre a suspeita deles terem participado da corrupção na Petrobras. E exatamente esta estatal saqueada é que vem sendo usada como o motivo deste surto moralizador. Alguém pode até dizer que é muito cinismo do senador e do deputado, mas eu prefiro ver isso da forma que Shakespeare escreveu em Hamlet: tem lógica nessa loucura. Mas quanto aos crimes de que eles são acusados, o Supremo Tribunal Federal já abriu inquérito contra os dois, o que devia ter sido motivo da renúncia imediata de cada um, ao menos da presidência da Câmara e do Senado. Mas é claro que aí não daria para vê-los juntando armas nesta cruzada moralista, o que faria do Brasil um país banal, desses que vivem na realidade, bem longe do impressionante realismo mágico que tomou conta da vida brasileira.
José Pires/Brasil Limpeza