Como podemos confiar no Brasil se menos de 5% dos brasileiros acreditam uns nos outros?
Desde janeiro de 2022, quando li o relatório do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) “Confiança: a chave para coesão social e crescimento na América Latina e Caribe”, estou estudando a importância da confiança em nossas vidas amorosas, profissionais, sociais e políticas.
O sociólogo Zygmunt Bauman me ensinou que para nos sentirmos felizes precisamos de dois requisitos: liberdade e segurança. Para ele, o ideal seria buscar um equilíbrio entre essas duas necessidades básicas, já que liberdade sem segurança seria o caos e segurança sem liberdade seria prisão. No entanto, a balança sempre acaba pendendo para um dos dois lados.
É o que observo nas minhas pesquisas. Os casais que apostam excessivamente na segurança até podem ter relacionamentos mais tranquilos e confortáveis, mas anseiam por liberdade. Já aqueles que apostam na liberdade, vivem mais conflitos e angústias, e desejam mais paz e harmonia.
Mas como me sentir livre e segura sem ter confiança nos outros?
Voltando aos dados do BID, entre os países pesquisados, os que apresentam o maior índice de confiança são os mais ricos e desenvolvidos, com menor índice de corrupção e melhor qualidade de vida. Os países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) apresentam uma média de 41% de confiança. A média global é de 25%. A América Latina tem uma média bem menor (12,06%): o Uruguai está em primeiro lugar (21,08%), seguido do México (18,37%), Chile (17,07%), Argentina (16,15%), Peru (10,8%), Nicarágua (9,12%). O Brasil está em último lugar no índice de confiança (4.69%), perdendo até mesmo da Venezuela (5,21%).
Ao pensar sobre a miséria de confiança dos brasileiros, lembrei de milhões de indivíduos que apoiaram o nazismo e o fascismo. Não é possível dizer que eles não sabiam o que estavam fazendo. Não só sabiam, como se identificavam, defendiam e confiavam nos psicopatas genocidas, como está acontecendo agora, no Brasil e em muitos outros países.
Violência, crueldade, injustiça, corrupção, desigualdade, preconceito estão cada vez mais presentes na sociedade brasileira. Parece que os brasileiros que escolherem confiar no ódio não só aumentaram numericamente como ganharam legitimidade para sair do esgoto e das trevas em que estavam escondidos. Hoje, em determinados setores da sociedade, quanto mais desumano, odiento e cruel se é, mais apoiadores fanáticos consegue-se conquistar.
Como confiar em alguém se só 4,69% dos brasileiros acreditam uns nos outros?
Como confiar em uma médica que procurei quando estava com um problema sério de saúde, me atendeu em 15 minutos, cobrou R$ 600, e me mandou tomar antidepressivo e fazer uma série de cirurgias plásticas porque estou ficando velha? Ou no eletricista que usou fios baratos e cobrou uma fortuna dizendo que o material era o melhor do mercado? Ou no ex-marido que não transava comigo dizendo que estava doente, e, depois da separação, confessou que “só conseguia transar com garotas de programa”? Ou na amiga que me humilhou publicamente em um evento social? Ou no restaurante natural que costumava frequentar diariamente até que encontrei uma baratinha passeando na grelha do peixe?
Para mudar essa triste realidade, sugiro que você comece como eu: estou fazendo uma listinha das pessoas em quem posso confiar. Afinal, em quantos amigos e amigas realmente confio? Quem são os parceiros de trabalho que nunca irão me trair ou abandonar? Quem estará junto comigo nos momentos de saúde e de doença, de alegria e de tristeza? E, talvez mais importante ainda, quantos podem confiar inteiramente em mim?
Cheguei à conclusão de que a confiança é o nosso maior capital, nossa maior riqueza, em todos os relacionamentos. E, infelizmente, ela está cada vez mais escassa no Brasil. Sua listinha tem mais de cinco pessoas?
Se pensarmos em tudo o que sofremos nos últimos anos, quais são os amigos, familiares, colegas de trabalho, empresários, políticos, instituições, governos que ainda são dignos e merecedores da nossa confiança?