E, além de tudo, ele ainda é poeta!

Na Secretaria do Tribunal de Justiça do Estado, tive vários colegas que honraram a atividade pública, desempenhando-a com dignidade, dedicação, competência e inteligência. Com alguns deles mantenho, até hoje, laços de amizade e certa convivência. E aí devo citar Civan Lopes, Romeu Felipe Bacellar Filho, Eurico de Paiva Vidal Jr., Edson Dallagassa, Norberto Elíseo Pavelec, Alcebíades de Almeida Faria Neto e Mário Montanha Teixeira Filho.

Hoje, porém desejo destacar um em especial, com a permissão dos demais: exatamente o último acima citado, o meu querido Da Montanha.

Embora bem mais moço do que eu, Mário foi e é um companheiro de lutas e de ideais. Temos várias afinidades e, mesmo quando discordamos, mantemos intacto o respeito mútuo. Na verdade, sonhamos os mesmos sonhos. E ele sabe, como eu, que ninguém nem nenhum patife de plantão será capaz de impedir que continuemos sonhando. Diante da maldição que ora nos domina, os sonhos apenas dormem. Mas logo acordarão.

Até então, a grande virtude do Da Montanha era a dedicação ao próximo, às causas populares. É um líder sindical nato, especialmente dos servidores públicos. Já dirigiu o Sindicado dos Servidores do Poder Judiciário e agora está na diretoria da Associação dos Consultores Jurídicos do Poder Judiciário. Poderia ter ido bem mais longe no caminho político não fosse a excessiva modéstia, a falta de ambição pessoal e um defeito congênito: é decente. Mais: não compactua com os poderosos de plantão e não participa de conchavos, sejam eles quais forem.

Pois agora, de repente, descobri outra virtude do Mário Montanha Teixeira Filho: o meu estimado Da Montanha é também poeta. Tinha guardado na gaveta dois cadernos com alguns poemas escritos nos idos de 1978 a 1987 – “pensamentos antigos, pequenas histórias sobre o cotidiano do homem comum, as desigualdades sociais, os enquadramentos impostos pela lei e pelos donos do mundo, os desejos de liberdade e a perspectiva de mudanças” – e decidiu reuni-los em um pequeno volume, “Versos Velhos”, editado pelo selo Inside, da Casa Editorial.

Nele, como destaca o editor, “com o recurso a imagens diretas e frases cortantes”, Mário “descreve uma realidade urbana de permanente vazio existencial, ambientada em cenários de opressão, medo e silêncio”, “dramas individuais e coletivos que alimentam, a seu modo, uma dose contida de otimismo – ou de esperança”.

Querem uma amostra? Aí vai:

“Da janela

“Olho de uma janela / que não é minha / a marcha de alguns soldados. / Eles passam / com seus fuzis, e os homens nas ruas / seguem os caminhos de sempre.

“Eu não sei do meu caminho, / apenas olho / o que não me parece justo / e calo, / porque a janela / em que me debruço / pertence a homens / que não querem / as ruas sem fuzis.”

Outra:

“Depois de nós

“Eu não sei o que será / do outro dia, / se existirá / ou será cinza. / Nem por isso / minhas pernas deixam / de caminhar, / e eu vou passando / discretamente pela vida.”

Mais uma, premonitória e mais atual do que nunca:

“Para que exista outro dia

“Passo por você / a minha cabeça está baixa, não vê / o seu olhar que se desvia, à procura / de um pedaço de céu. / Não sou nobre, e nem carreguei / armas e ódio para que vivêssemos / um dia melhor. / Não sou pobre, pois meu prato / carrega o que me basta / para não cair na rua, / abandonado pela multidão desatenta.

“Por algum tempo, passarei / por você, e meu olhar sedento / e sem coragem procurará descanso / na mansidão do céu. / Meu coração, porém, me dirá / que não bastam armas e ódio / para que exista outro dia.”

E, por fim:

“Homens da lei

“Eles, os justos, / os cidadãos beneméritos / e defensores da pátria, / passam os dias / distantes das ruas, / dos campos e das favelas, / pensando nas leis que amanhã / acrescentarão um pouco / mais de ouro / a seus patrimônios. / Eles, os justos / que vivem do trabalho alheio, / trancam-se em seus palácios / para a troca / de banquetes e condecorações.

“Eles, os justos / que se odeiam, / enriquecem com suas próprias / leis / e com as mãos de outros homens.”

Não sei se “Versos Velhos” está presente nas quase inexistentes livrarias, mas os interessados poderão valer-se do e-mail contato@editorialcasa.com.br.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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