Na semana passada, a edição americana da revista “Foreign Affairs” publicou um artigo do pesquisador Roberto Simon, da Universidade Harvard, sobre os maiores erros da diplomacia da presidente Dilma.
Para Simon, o pior da política externa dilmista foram o desmantelamento orçamentário do Itamaraty, o desengajamento de questões internacionais e o envolvimento de instituições financeiras públicas para a viabilização de operações duvidosas em outros países
As críticas têm fundamento. A presidente nunca escondeu seu desprezo pela diplomacia, e hoje sabemos mais sobre os reais beneficiários –econômicos e políticos– das operações internacionais das grandes empreiteiras brasileiras na África e na América Latina. Tem muita coisa para criticar.
Mas, no Brasil, já há uma diferença de percepção. A imprensa aqui parece ter dado trégua às críticas. Na semana passada, li pelo menos três matérias elogiosas à atuação do Itamaraty, apesar das circunstâncias tão desfavoráveis sob as quais opera.
O auge dos elogios deu-se há alguns dias, quando o governo soltou uma nota em termos firmes sobre a situação na Venezuela.
Isso tem razão de ser e reflete uma mudança autoral na política externa. Não é novidade para ninguém que, desde Lula, as relações com os chamados governos de esquerda da América Latina, entre os quais Caracas, La Paz e Havana, vinham sendo desenhadas no Palácio do Planalto, por ideólogos.
Sabe-se, hoje, das razões inconfessáveis para que a política externa com algumas capitais estrangeiras fosse sequestrada do Itamaraty.
Agora que essa onda de governos populistas se enfraqueceu, que grande parte dos beneficiários dos esquemas ilícitos está atrás das grades e a presidente se encontra preocupada em salvar a própria pele, a diplomacia brasileira volta, aos poucos, às mãos de quem tem conhecimento específico para conduzi-la.
O Itamaraty segue enfrentando falta de recursos, mas, num quadro político adverso a seus predadores, readquire autocontrole. O escopo ainda é limitado, mas já se nota a diferença, como no caso das relações com os Estados Unidos, com o México e com a própria Venezuela.
Quando, no âmbito do governo federal, não diplomatas começaram a ter influência crescente na elaboração da política externa, o argumento era democratizar e enriquecer o debate sobre o tema. Deu no que deu.
Em uma sociedade democrática, atores não estatais influenciam a elaboração da política externa. Isso é normal e desejável. No âmbito do governo, entretanto, existe definição de competências. Age-se em colegiado, mas quem tem a capacidade legal e técnica na execução das relações internacionais é o Itamaraty. Os demais órgãos são apenas acessórios.
Imagine se o Itamaraty resolvesse definir e executar a política do Ministério da Educação ou da Saúde, por exemplo. Cada um no seu quadrado.
Que lição fica disso? Que o governo deve ser profissionalizado, porque a profissionalização dificulta o aparelhamento e a má utilização política.
No governo Dilma, o Brasil adquiriu a imagem de caloteiro ausente da cena internacional, e esse é um legado com o qual futuros governos terão de lidar.
No caso da Venezuela, o Itamaraty, com o pouco que lhe resta, foi chamado a varrer os destroços. Parece que tem feito um bom trabalho. É para isso que ele existe.
Alexandre Vidal Porto – Folha de São Paulo