Postei no meu Instagram, em 20 de outubro de 2022, um trechinho de um vídeo do canal das Avós da Razão no YouTube: “Sempre fomos assim”. Tomando cerveja em um boteco de São Paulo, Sonia, de 84 anos, e Gilda, de 80, amigas há mais de meio século, respondem à pergunta de uma fã de 64 anos:
“Vocês sempre foram assim, irreverentes, de quebrar regras? Como vocês fizeram para viver com a cabeça tão vanguardista quando vocês eram jovens?”
Gilda respondeu que seus caminhos nunca foram os mais tradicionais em uma época de extremo conservadorismo e de repressão social e familiar:
“Nós sempre fomos assim, sempre de ir contra a corrente. E a gente foi de família bem conservadora, aqueles pais meio bravos. Numa época em que ninguém mijava fora do pinico. A gente foi criada para ser dona de casa, saber lavar roupa, passar roupa, cozinhar… Em meio àquela coisa toda certinha, a gente sempre procurou o que era diferente… Eu ia muito para Santos, e nessa época veio o tal do biquíni. Eu falei: ‘Meu Deus, que coisa interessante. Gostei muito daquele modelito’. Minha mãe me fez um biquíni de jeans e lá fui eu de biquíni para a praia. Nossa!”
Bem antes de Leila Diniz, Sonia e Gilda já eram transgressoras e revolucionárias:
“A gente fazia cada coisa tão inocente, mas tinha que fazer escondido. Isso foi antes da Leila Diniz, né? A Leila Diniz era bem mais jovem do que nós. Depois, foi maravilhoso o que ela fez. Aparecer de barriga de fora, grávida, de biquíni. Ela foi uma feminista e tanto para a época, fantástica.”
Apesar de que “naquela época não era comum transar antes de casar”, Gilda contou que elas deixaram de ser virgens bem cedo:
“Eu dei cedo, mas eu não fiquei grávida. Tinha medo de ficar grávida por causa do meu pai que era muito bravo… A Sonia é exagerada em tudo, ficou grávida com 16 anos, tem bisnetos já moços, ela já tem cinco tatuagens.”
Recentemente, as duas fizeram novas tatuagens. Sonia fez tatuagens de flores que ocupam o dorso das duas mãos, e Gilda, após raspar o cabelo roxo e preto do lado esquerdo, fez uma grande tatuagem de mandala na cabeça:
“Quando eu raspei o cabelo a moçada adorou. Mas teve um lado ali: ‘Pra que você fez isso?’ Porque eu estou com vontade, eu gosto, eu vou fazer. Engraçado perguntar: ‘Por quê?’ Qual seria o outro motivo se não fosse o meu gosto? Quando eu fiz a tatuagem, aí fudeu geral. ‘Doeu? Pra que essa loucura?’ Porque o mundo é uma loucura, a gente precisa enfrentar… E não é que agora tem um monte de gente velha animada querendo fazer tatuagem?”
As Avós da Razão, que, como contei na minha coluna A arte de gozar são minhas amigas desde 2019 e o melhor exemplo da “Revolução da Bela Velhice”, são as primeiras signatárias do Manifesto das Velhas Sem Vergonhas. Sonia admitiu que “é uma delícia não ser certinha”, ainda mais aos 84 anos:
“Eu acho muito bom a gente ser assim, muito bom poder sair fora do convencional, porque ajuda a mandar embora os pensamentos nefastos, os preconceitos, aquela velharia que nós fomos ensinadas a respeitar, ai que delícia. Nós somos velhas que não somos certinhas. Aliás, lembrando aqui que a Mirian Goldenberg montou um manifesto. Vai ser assim um tipo de clube: O clube das Velhas Sem Vergonhas. Nós fazemos parte!”
Exatamente por serem mais livres, corajosas e irreverentes, as Avós da Razão, como revelou Gilda, são xingadas de velhas ridículas:
“Outro dia eu estava lendo os comentários, a gente tem um monte. Aí tem umas que são revoltadas com a gente, não tem? Tudo o que o povo gosta da gente tem umas loucas que são contra, porque só sendo louca para ser contra nós. Falando assim: ‘Suas velhas ridículas!’ Coitadas, né?”
“Mas é uma delícia ser ridícula! Eu adoro, eu acho ótimo. Quando a gente ri da gente mesmo é melhor ainda”, reagiu Sonia, dando risada.
O vídeo das Avós da Razão bombou no meu Instagram: quase 140 mil contas alcançadas e milhares de comentários. Elas são uma inspiração para as mulheres de todas as idades que, como eu, estão descobrindo a dor e a delícia de ser uma velha ridícula e sem vergonha.
Sempre termino “os textões da Mirian” no meu Insta com: “Tamojuntas?”. Mas, como os homens também podem (e querem) participar do meu movimento lúdico e libertário, vou terminar aqui de um jeito diferente: Tamojunt@s?