“Você quer falar com algum político?” “Não, melhor ficar só observando”, respondi. Eu não falo com políticos. Eu não gosto de políticos. Por que deveria me submeter a seus perdigotos, pensei. Millôr Fernandes: “A relação pessoal é um ato de conivência imediata”. Eu acredito nisso. Não tenho nojo de perdigotos. Mas tenho de políticos.
O fato é que acabamos falando com dois políticos. De todo blablablá que consegui filtrar do que disseram, duas frases ficaram. A primeira: “eu tenho um vereador lá na minha cidade”. Claro, muitos deputados criam cabeças de vereador em seus currais eleitorais, por que o espanto? Como sou leigo nessas coisas.
A outra frase, dita por um deputado do Paraná (vai com erro de concordância mesmo): “90% das pessoas que está aqui é vagabundo”.
Se você está no Congresso mas não sabe se está no lado da Câmara dos Deputados ou no lado do Senado, é só olhar para o chão: a única coisa que os difere é o carpete. O do Senado é azul, o da Câmara é verde. Agora, se você for daltônico meu amigo, talvez você fique na dúvida para todo o sempre…
Ideia para um livro de ficção: Um contínuo entra no Congresso para entregar uma encomenda a alguém e nunca mais consegue achar a saída de volta, ficando lá preso para sempre e desenvolvendo todo tipo de trauma psíquico. O André Gonçalves ficou de escrever a história e eu de ilustrá-la.
Besteira esse negócio de carpete verde na Câmara. Aquele lugar, para alguns, não passa de curral político. Então acho que se jogassem serragem estaria de muito bom tamanho.
A primeira coisa que vejo no plenário da Câmara é uma daquelas cenas que parecem saídas de um esquete do Justo Veríssimo, de Chico Anysio: um deputado escorre toda sua demagogia em um discurso viscoso para a assombrosa plateia de UMA pessoa. O tema? Realismo fantástico: como o senador José Sarney levou o desenvolvimento para o Maranhão!
Pela sua descrição o Maranhão tem o IDH da Holanda, a renda per capita da Noruega e sua economia é mais ou menos do tamanho da Alemanha. Tá, e eu me chamo Stanislaw Ponte Preta e estou agora escrevendo um capítulo do Febeapá.
Cruzo duas vezes com ACM Neto pelos corredores. Ele é realmente baixinho. É praticamente um hobbit. Aquele terno com riscas de giz faz ele parecer um integrante da Quadrilha da Morte, aqueles gângsteres nanicos que faziam a segurança de Penélope Charmosa no desenho da Hanna-Barbera, lembram?
Vemos o Tiririca em ação. A concentração dele é toda para não bocejar na frente da ministra da Cultura Ana de Hollanda, que presta contas aos deputados sobre alguma besteira que fez. Tiririca tem a atenção de um lontra numa ópera de Leoncavallo. O que o mantém mais ou menos esperto é o fato de estar sendo tietado por fotógrafos e bajuladores profissionais. Ele dá sorrisinhos, faz sinal de positivo, pisca e faz aquele beicinho clássico. Se pudesse jogava uma bolinha de papel na cabeça de Stepan Nercessian, o menino levado sentado ao seu lado.
Fui sacar dinheiro num caixa eletrônico dentro da Câmara. Passaram uns caras de terno e gravata e chamando uns aos outros de excelência. Fiquei com medo de cair no golpe da saidinha.
Hoje é dia de votação no plenário. A Lei sobre liberação de bebidas nos estádios está em pauta. Há a muvuca de sempre, todos ao redor dos microfones, defendendo a mais nobre de todas as causas: a causa própria.
É estranho estar ali. É estranho chegar perto de Anthony Garotinho, ver Inocêncio de Oliveira, João Arruda, Paulo Maluf, todos muito próximos uns dos outros. Me lembrou aquele filme Warriors- Guerreiros da Noite, que começa com uma convenção de gângsteres de todo lugar do país.
O epíteto de alguns deputados devia ser “condenado” ou “investigado”. Depende do grau de importância do sujeito.
Os chargistas desenham políticos como ratos, abutres, hienas, porcos. Chamam-nos de ladrão, mau caráter, corrupto. E eles nem dão bola. A partir de agora vou começar a chamá-los de “honesto” para ver se eles ficam bravos.
Fiquei a dois polegares de Paulo Maluf. Achei que seria como me aproximar de Pat Garret ou Clyde, de Bonnie & Clyde. Mas não. A sensação foi exatamente ao contrário. Senti um certo desprezo. Me pareceu mesquinho, abraçando e fazendo piadas com outros deputados. Aliás, foi a mesma coisa com Renan Calheiros. Não era como se eu estivesse perto de alguém com a aura de um Vito Corleone. Não, eram apenas duas criaturas bivalves que estavam ali na luta pela sobrevivência da espécie.
Se me perguntarem: o Congresso brasileiro funciona? Funciona, mas é como se fosse um transatlântico a base de manivela. Tudo é lento, complicado, frágil, suspeito, burocrático, atravessado. Mas sou otimista crônico e acho que, mesmo com essas pessoas conduzindo o transatlântico, ainda temos alguma chance de incluir positivamente as palavras “Brasil” e “civilizado” numa mesma frase.
Em frangalhos. Os dias no Congresso são longos como os corredores do parlamento. Antes de dormir os nomes dos políticos povoam minha cabeça na voz de Alexandre Garcia. Mozarildo. Epitácio Cafeteira. Demóstenes Torres. José Agripino. Nomes que ouço há décadas na tevê. Fico com medo de sofrer de Shell Shock depois de visitar o Congresso.
Fim de história. Hora de voltar para a casa.
Agradeço a André Gonçalves pela assistência e Marcos Tavares pelo terno emprestado. Fim