Outro parágrafo desviado, o de cima, desvinculado do propósito deste texto. Eu devia mais é passear pelos seguros caminhos das letras, da filosofia, dos conceitos e suas aplicações. Pegar a estrada de Voltaire e ir até Goethe, mas parando em algum boteco para tomar uma cerveja e pensar na vida. Como o que disse Bacon: Dinheiro é como esterco: só é bom se for bem espalhado. Ah, diga isso em público e será malhado. Medito, logo, desisto. Espero apenas Heráclito atravessar a rodovia dizendo: A mistura que não é sacudida se decompõe. Aí, não posso deixar de rir enquanto acelero o carro em direção a Goethe, induzido pela necessidade premente de ler algo que clareasse o dia de ontem – que se extinguiu metamorfoseado em um grande ponto de interrogação. Com absoluta certeza Heráclito não sabia que nasceu 530 anos antes de Cristo. Não sabia que estava fluindo para o maior divisor de águas do mundo. Atravessou a rodovia igual a um cachorro qualquer e se embrenhou no mato. Empédocles viu que a natureza faz muitas tentativas com os organismos. Combina formas, órgãos e utilidades e, quando tudo dá mais ou menos certo, o organismo sobrevive e leva adiante seus genes. Alguns empacam, outros se extinguem inexoravelmente. A adaptabilidade levou a certas aberrações como o ornitorrinco, o bicho-preguiça e outros. Mas criou a leveza do beija-flor, a elegância tigre, a beleza da gaivota. E tudo isso está por um tiro. Bangue! Zing! Por sorte pegou no ombro. Parte do corpo do mocinho que não é nunca zona mortal.
Rui Werneck de Capistrano é autor de Nem Bobo Nem nada. Já tem para empréstimo na Biblioteca Pública do Paraná.