Covidário do planeta, cemitério do mundo, nascedouro de variantes, ameaça sanitária, pária global. O reality show mais vigiado de um país no limite da sanidade política passou a ser a CPI da Covid. Todos querem saber quem será responsabilizado pelo caos de saúde pública promovido durante a pandemia.
A sabatina, transmitida ao vivo, alterna momentos de tensão e de vergonha alheia, a despeito dos mais de 422 mil mortos, dentre eles o comediante Paulo Gustavo. Não há um membro governista integrante da comissão que não cause profundo constrangimento ao país ‒ seja pela incompetência, seja pela falta de vergonha na cara, seja pelo desvio de caráter ou seja apenas pela burrice mesmo.
Estarreceu, em especial, a entusiasmada defesa da cloroquina. Houve senador que chegou a passar o receituário de medicações de ineficácia cientificamente comprovada. Destacaram-se, neste aspecto, Luís Carlos Heinze (PP-RS) e Eduardo Girão (Podemos-CE), que causaram desespero até ao experiente Otto Alencar (PSD-BA), político conservador com formação em medicina.
“Eu vi, há pouco, o senador Girão falando que a hidroxicloroquina é um antiviral. Nunca foi antiviral! Os caras não se formaram em medicina, não ficaram no banco, não fizeram residência, não estudaram nem química, nada disso, e receitam assim, na maior. A hidroxicloroquina tem efeito colateral no coração! A ivermectina é neurotóxica!”, advertiu Otto em reação à propaganda dos senadores governistas.
Alinhados com o médico, demais senadores que buscam investigar os descalabros do governo federal na gestão da Saúde ora perdem a paciência com respostas evasivas das autoridades depoentes, ora precisam intervir para que a CPI não pareça um chá da tarde entre amigos de longa data.
Hábil e agora adversário, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta entregou que havia a intenção, via decreto presidencial, de que a Anvisa mudasse a bula da cloroquina, com o acréscimo de indicação para coronavírus. A alteração foi vetada pelo presidente da agência, o também médico Antônio Barra Torres.
Já Nelson Teich, cuja energia vital aparenta ainda não ter sido recuperada plenamente, parecia tão por fora quanto alguém que nunca chefiou o Ministério da Saúde. Politicamente sem ambição, o segundo ex-ministro manteve a linha discreta que o caracterizou da entrada à saída. Uma ética própria que salva a pele de Jair Bolsonaro a fim de salvar a própria pele.
Atual titular da pasta, Marcelo Queiroga passou toda a sabatina desviando-se de perguntas mais contundentes, sob a alegação de que não competiam a ele as questões levantadas pelos senadores. Solicitada a opinião do ministro, tampouco houve resposta. Colaboração nenhuma, o que já era esperado. Queiroga cumpre a função de ministro decorativo, um Pazuello com CRM, nomeado exclusivamente para reduzir danos à Presidência da República.
O personagem mais aguardado, no entanto, não compareceu. Eduardo Pazuello, que nunca foi afeito às medidas de isolamento e distanciamento social, alegou estar cumprindo uma quarentena preventiva e culpou dois coronéis contaminados, com quem teve contato, segundo ele, pela impossibilidade de comparecer à CPI. Ainda não se sabe se o general culpará também um certo capitão, a quem certa vez destinou as palavras: “um manda, o outro obedece”.