Entre um e outro

© JBosco, Bosquito

Confesso que quando quero impressionar pequenas plateias (sobretudo de artistas gráficos), conto sempre esta história: Corria a década de 1970 e o cenário era um botequim em frente à Grafipar, na Vila Centenário, onde trabalhavam Toninho Stinghen e Marilia Guasque, além do Solda, Rogério Dias, Rettamozo e outros.

Certa noite de inverno, “depois do expediente”, enquanto as biritas rolavam no balcão, as duplas se distribuíam alegremente entre o bimbolim e a sinuquinha. A tendência era o convescote virar algazarra – porre, virava sempre. O Solda – lembro bem desse dia – dormia no degrau de uma porta fechada, na varandinha, quando alguém passou correndo procurando um canto pra vomitar (era uma época que se tinha muito o que vomitar.) Finalmente, depois de muito entornar, saímos os seis marmanjos espremidos no fusquinha azul do Rogério, tipo onze da noite. Todos manguaças. Quando fomos deixar o Solda em casa, ao lhe dar um abraço de despedida, em pé ao lado do carro, percebi estranhos objetos sólidos nos bolsos do seu paletó, e perguntei, me afastando para melhor olhar a silhueta:

– O que você tem nos bolsos, Solda?
Ele não respondeu, apenas enfiou as mãos e tirou, uma a uma, deixando cair na grama do jardim, as sete bolas coloridas do bilhar. E entrou…. Voltei pro carro maravilhado, dizendo pra turma:
– Meninos, o Solda acaba de fazer um cartum vivo em homenagem ao cinema mudo.

(passagem de tempo)

Pois bem, outro dia contei essa história para o Trimano, o gênio (meu vizinho em Santa Teresa), que reagiu como um público infantil do Solda – de quem ele já conhecia alguma coisa, sobretudo a fama. Diante do livro branco recém lançado (que recebi com autógrafo), o Trimano se postou calmamente, por quase uma hora, saboreando página por página os traços e a verve do meu talentoso parceiro. Riu muito, ficou sério e perguntou bastante. Saiu convencido de que tinha, em Curitiba, um cúmplice na tarefa espinhosa de fazer graça sem deixar de endurecer jamais.

Toninho Vaz

ps – qualquer dia eu conto a história do vidro de nanquim que entornou sobre  a cartolina, na  redação do Diário do Paraná, e o que o Solda fez com ela.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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