Meu amigo Luiz Antonio Solda é um desses caras que dá até inveja pelo excesso de talento, segundo o Sérgio Viralobos. A minha turma toda adora esse cara. Poeta de muitas artes, um verdadeiro mestre, assombra Curitiba e o Brasil com o seu talento multimídia (muito antes de existir essa palavra) no cartum; na caricatura; no texto de humor; no planejamento gráfico editorial; no texto, direção de arte e produção eletrônica em propaganda; no jornalismo e, até, na programação visual do carnaval de rua. Mas, com a sensibilidade inquieta e criativa própria dos que têm muito a dizer, SOLDA é, também, um poeta da palavra. Exata. Enxuta. E engraçada, por mais desgraçado, dramático, profundo e pungente que seja o tema. SOLDA, entrando no templo sagrado do pai do haicai, Matsuó Bashô, graças à sua escola no humor, nunca se fez de rogado, chegando a manter uma coluna diária de haicais em jornal.
Há ainda o SOLDA dos palcos, compositor, músico e letrista, o SOLDA ator, dramaturgo, na vanguarda, fazendo, com Manoel Carlos Karam, Alberto Centurião, Ione Prado, Dante Mendonça, um teatro que hoje em dia até‚ parece normal. Mas que nos idos de 1973, rendeu muita dor de cabeça e incompreensão, naquelas épocas obscuras, mas deixou muitos filhos que hoje podem caminhar à luz do sol e dos refletores.
SOLDA, cartunista multipremiado, laureado em Nova Iorque e até por detrás da falecida cortina-de-ferro e citado como verbete em enciclopédias de lugares inimagináveis. SOLDA do traço, da graça, do capricho, louvado até pelo Santo Ziraldo, em rede nacional, a cores e ao vivo, como um expoente das décadas de 70 e 80. Solda que ultrapassou, com honra, o Rio Atuba.
SOLDA, o cartazista preferido por 9 entre 10 estrelas do teatro que estiveram e estão em cartaz. SOLDA, que começou na propaganda em Curitiba quando ainda se amarrava pacote de carne pra cachorro com lingüiça. SOLDA foi da geração heróica que introduziu na propaganda de Curitiba, hoje das mais avançadas, o bisturi da sutileza, do respeito ao consumidor, dos códigos avançados que somam com os demais códigos à procura de uma civilização melhor.
SOLDA, o único do mundo capaz de colorir imagens para um longa-metragem à mão, para o cineasta Sílvio Back. SOLDA da presença pessoal inesquecível, marcante, inimitável, da mímica brilhante e do discurso desconcertante e vigoroso, que, com raríssimas aparições públicas, é hoje uma figura mitológica, cercado de lendas e folclores. SOLDA citado, copiado, plagiado, multiplicado, dividido, fracionado, roubado, mas sempre soldado novamente por seus fiéis e incondicionais amigos e admiradores.
Solda, você é o mais talentoso poeta curitibano de Itararé?
Não. Tem a Rogéria Holtz, que é a voz mais poderosa para cantar e ler poemas de todos nós. Eu sou mais um cartunista de Itararé, cidade onde houve a batalha que jamais foi realizada na História. E tinha o maestro Gaya, um bardo das partituras.
Como você veio parar aqui?
Vim morar com meu pai, em 1965 e fui ficando em Curitiba, onde tento sobreviver até hoje.
O Millôr o considera um dos maiores cartunistas do mundo, eu também. Fazer cartum e poesia, qual a ligação?
São a mesma coisa. Ambos são explicações.
Em seus poemas e cartuns o humor é sempre a alma da poesia, o Solda, pessoa, é engraçado?
Eu sou engraçado pra disfarçar a timidez, assim como o Fabrício Carpinejar.
A propaganda aproximou você do Leminski, do Rettamozzo e do Rogério Dias, como foi esse relacionamento e o que ele acrescentou em sua obra?
Todos eles eacrescentaram alguma coisa de suas almas à minha obra; Leminski deixou meus cartuns mais poéticos (nessa época eu deixei os poemas dele mais engraçados); Rettamozo me ensinou o caminho das pedras e Rogério Dias, uma alma boa com quem convivi durante muito anos. O Rettamozo era o único que não fazia parte dos “Seqüelas do Alcoolismo” (Leminski, Solda e Rogério Dias).
Você é cunhado do Marcos Prado, do Roberto Prado e concunhado do Alberto Centurião e da Ione Prado, não é artista demais para uma família só? E o que é que sai quando vocês se reúnem?
Nenhum de nós é artista em família, somos apenas parentes uns dos outros. Fazemos trabalhos de propaganda juntos às vezes para garantir o pão nosso de cada dia.
Você esteve durante um longo tempo adoentado. Olhando para trás o que ficou de bom dessa história toda?
Ainda estou pensando sobre isso. Vou escrever retalhos e depois montar a colcha. O inferno são os outros (e as ostras).
Você vive praticamente o dia inteiro em cima do computador. Qual a importância desse equipamento para seu trabalho e como você se relaciona com ele?
É apenas uma ferramenta que me possibilita executar com maior rapidez qualquer tarefa. Todas. E acho que computador não deixa ninguém inteligente, apenas mais burro.
Quem você curte nas diversas artes?
Millôr Fernandes, Jaguar, Ziraldo, Mário Quintana, Fausto Wolff, Rogério Dias, Paulo Leminski, Crist, Jamil Snege, Wilson Bueno, Campos de Carvalho, Bukowski, Clarah Averbuck, Bob Marley, Rimbaud, Miran, Maiakovski, The Upsetters, Nelson Padrella, Fante, Caetano Veloso, Pixinguinha, Madness, The Skatalites, Torquato Neto, Buster Keaton, Woody Allen, o diretor do filme “O Ilusionista”, holandês que nunca lembro o nome, quase todos os cartunistas franceses e uma porção de gente que vocês certamente nunca ouviram falar.
Dois grandes amigos seus faleceram do mesmo mal e a malvada também quase te levou. Beber com o Leminski e o Marcos Prado, quem era o melhor copo? E como você se sente depois de tantos anos sem beber?
A obra dos dois, Leminski e Marcos Prado, é uma coisa de foder. Com os dois eu bebi muito, mas muito mesmo, muito mais do que vocês imaginam. A gente comprava engradado de vodka. Conversei outro dia com Wilson Bueno e concordamos em gênero, número e degrau. Ele também parou com a malvada e continua por aí, com seus mares paraguaios. Eu me sinto muito melhor e sei que, se estou numa fase excelente é porque estou sem beber. Sou alcoólatra. Algumas pessoas se dão muito bem com a bebida a vida inteira e produzem coisas maravilhosas. Mas o Jaguar disse que está me esperando de novo na Turma do Funil. Continuo indo em bares – o Beto Batata é o meu preferido – e tomando café e coca zero.
Eu, particularmente, sempre fui um dos seus maiores fãs, principalmente pela sua sintaxe graciosa e afetiva. É isso que o separa da poesia concreta?
Eu não sou separado da poesia concreta. Gosto dela pelo grafismo, nunca da frieza de palavras que não representam nada afetivamente.
Ser reconhecido como poeta e como cartunista, o que te alegra mais?
Ambos. Dou autógrafo como cartunista até em Teresina, no Piauí. Ontem, conheci o Oneide, Pelebrói inteiro e, quando eles descobriram que eu sou casado há 30 anos com a irmã do Marcos Prado ficamos conversando um tempão, dizendo poemas e ouvindo o som dos velhos discos de vinil. Vamos nos encontrar mais e ver no que é que dá.
Curitiba é o túmulo do artista? Por quê?
Curitiba tem muita puta e pouco puteiro. Muitos dos amigos com quem trabalhei em propaganda já morreram e alguns ainda continuam, insepultos.
Você é casado com a Vera há mais de 30 anos. O Leminski dizia que a coisa mais difícil nesta vida é encontrar o grande amor da vida, você é um cara de muita sorte?
Ele também encontrou o dele, eu sei disso, sempre me confessou, mas o amor foi embora e ele tornou-se o homem-dor, com a Enciclopédia Britânica na cabeça e tanta sabedoria que já não servia para mais nada. Sofrer foi sua última obra. Eu sou feliz pra caralho. Se Vera me aguentou bêbado tanto anos, haverá de suportar mais uns 40 ou 50 sem beber, sou agora um trabalhólatra, not a workaholic.
Teus filhos, Caetano e Sandra, puxaram o que do pai ?
Nenhum deles. Sandra é jornalista e Caetano ainda está escolhendo o que será, mas nenhum deles desenha, embora fizéssemos isso quando eles eram crianças diariamente, a gente se divertia desenhando. Muito.
Se você pudesse voltar ao passado, o que vc deixaria de fazer e o que faria mais ainda?
Não deixaria de fazer nada e faria tudo novamente, e tentaria ter mais tempo para ser poeta.
Me aponte 3 razões para a atual poesia brasileira ser tão mal humorada?
Porque ela não é engraçada. Hi! Hi! Hi! Veja Millôr Fernandes, Mário Quintana, até na dor há uma alegriazinha lá no fundo. Só tem essa.
Por que os poetas são tão maltratados pelos professores? A que se deve esse afastamento?
Os professores não gostam de poetas. São raros. Eles ainda chamam as mulheres de “poetisas”. Pra você ver. Pra eles não existe vida antes da morte.
Você é um regueiro de marca maior. De onde veio essa paixão?
A paixão vem pelo ritmo, muito semelhante aos nossos ritmos nordestinos. O discurso de Linton Kwesi Johnson. O culto rastafari, sou neófito, acho rasteiro demais, filosofia de boteco. E também não sou chegado em maconha, nem em bíblia. Tenho mais o que fazer. E há letras do Bob Marley excelentes, além de outros. E é o ritmo onde o baixo predomina, marcando a música com profundidade, fazendo tremer as janelas da minha edícula e dos vizinhos.
Se você não morasse em Curitiba, moraria aonde?
Em Itararé, numa dacha ao lado do Funil , um rio que atravesssa a cidade.
A coisa mais engraçada que aconteceu na tua vida?
Na mais recente viagem a Paraty, de ônibus, sentei ao lado de uma garota de uns 15 ou 16 anos. Cochilei e sonhei que estava vendo televisão. E, pasmem, procurei o controle remoto entre as pernas dela. Acordei sobressaltado e pedi mil desculpas, mas como a guria iria acreditar nessa história maluca? Depois, quando o ônibus parou para tomarmos um cafezinho, chamei a Vera e conversamos com ela. Nos encontramos em Paraty depois e deu tudo certo. Essa foi a mais recente coisa engraçada.
E a mais desgraçada?
Não ter sentado na mesa para tomar cafezinho em Paraty, com a Mônica Waldvogel. Pela segunda vez. Ano passado eu contei pra todo mundo em Curitiba que tinha tomado cafezinho com a Mônica, mas ela não sabia. Este ano eu queria sentar e contar a história para ela. Mas eu estava sem o meu livro para presenteá-la e acabei tomando café com a Mônica de novo, sem ela saber.
Um poema que você nunca esqueceu e que te marcou?
Ainda ontem
Convidei um amigo
Para ficar em silêncio
Comigo
Ele veio
Meio a esmo
Praticamente nada disse
E ficou por isso mesmo
Paulo Leminski
O que você mais ama?
Todos, acima de tudo.
O que você mais detesta?
Burrice e poeta que mostra poesias pra gente perguntando se ele tem condições de ser um bom poeta.
A vida é bela
Só não vale
Chute na canela
Solda. 30/07/2005 .
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