No tempo em que não fui Michael Jordan

Muitos anos antes de escrever um livro chamado O Homem com Dois Lados Esquerdos, fui por supuesto um rapaz com dois lados esquerdos.

Apaixonado por esportes, imaginei que pudesse praticar algum com relativo sucesso. Se as pernas não repetiam os comandos do cérebro, quem sabe os braços, por estarem mais perto da cabeça, pudessem fazê-lo.

Assim é que fui treinar basquete no ginásio do Sesc, hoje Sesc Centro, entre ruas José Loureiro e Pedro Ivo. Tínhamos uns 15 anos, estudantes do Colégio Estadual, Santa Maria, Bom Jesus. A entrada era franqueada mesmo a quem não tinha ligação familiar com o comércio.

O responsável era Renato Werneck, o Camundongo, professor de Educação Física, ex-jogador, mesmo com a altura imprópria para a atividade. O Camundongo gostou dos meus primeiros treinos, como ala que marcava com alguma eficiência.

Então vieram as férias e fui passar os 30 dias regulamentares em Santa Catarina. A cidade de Joinville recebia os Jogos Abertos do estado, evento que mobilizava toda a população. No Ginásio de Esportes, cada noite era uma emoção diferente, com jogos de vôlei, futebol de salão e basquete.

Foi em uma daquelas decisões memoráveis, entre Joinville e Blumenau ou Florianópolis, que vi um jogador de basquete de Joinville fazer marcação individual sobre um adversário, o craque do time de Blumenau. Eu não tinha sido, até então, apresentado à marcação individual. Aquilo me pareceu o futuro do basquete, algo digno dos Globe Trotters, trupe de ex-jogadores norte-americanos que divertia o mundo fazendo um misto de jogo e circo nos ginásios em que se apresentava. Bem, a gente nem sabia o que era NBA, desculpem aí.

Na volta das férias, apresentei-me ao treinador, trazendo na mente a arma secreta. Começa o treino e comecei a marcar individualmente o ala do time reserva. Camundongo viu e apitou:

– Pode me explicar o que é isso?

– Marcação individual, assim eu anulo o cara.

Com a pouca paciência que tinha, ele quis saber se onde eu tinha tirado aquilo. Didático como nunca fui, expliquei que tinha sido daquela maneira que Joinville tinha vencido os Jogos Abertos.

– Fique sabendo que sou técnico do Sesc, não de Joinville. Você está fazendo marcação individual sobre o pior jogador do outro time, não sobre o melhor. Quem sai perdendo somos nós. Vá descansar um pouco para ver se consegue enxergar o jogo.

Abandonei o basquete no Sesc uns tempos mais tarde, sem nunca ter jogado uma partida oficial, o que só aconteceu na faculdade, em uma partida no ginásio da Sociedade Thalia, contra Educação Física, pelos Jogos dos Calouros.

Perdemos de 65 x 12.

Entrei na metade do primeiro tempo, fiz três faltas seguidas e depois puxei um adversário. Saí desclassificado. O pior é que esqueci no vestiário o par de tênis que me tinha sido emprestado pelo futuro médico Mário Alice. Quando paguei o valor de uns tênis novos ao irredutível dono do par furtado, encerrei minha meteórica passagem pelo basquete.

Minhas estatísticas não mentem: dois pontos, uma marcação individual fajuta, uma desclassificação por falta técnica, um par de tênis perdidos. Resultado: zero à esquerda. Com os dois braços, ambos esquerdos. Zurdos, em castelhano.

Sinistros, em italiano. Faz sentido.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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