O escritor americano Philip Roth, vencedor do Pulitzer de 1997 por “Pastoral Americana” (1997) e considerado um dos maiores romancistas da atualidade, morreu nesta terça (22), aos 85 anos, de insuficiência cardíaca, em um hospital em Nova York.
Com sua morte, os Estados Unidos perdem o seu maior escritor. A frase poderá soar excessiva para alguns especialistas que sempre preferiram ver em Roth o protótipo do escritor judeu, interessado em explorar a condição da sua tribo em confronto com a sociedade gentia.
Essa interpretação é desmentida por toda a obra de Philip Roth e começa a sê-lo logo no primeiro livro, “Adeus, Columbus” (1959, ed. Companhia das Letras): sim, os personagens são judeus; mas Roth, em gesto que enfureceu os líderes da comunidade, apresentava personagens humanos, demasiado humanos, marcados pela fraqueza e mesmo pela indignidade.
O propósito era duplo: normalizar a condição dos judeus, retratá-los como parte imperfeita da nossa raça imperfeita, sem hagiografias ou exceções de qualquer espécie; e, por outro lado, orientar Roth para o seu tema de excelência: a crítica ao supremo mito fundador da República. A ideia otimista de que podemos ser quem quisermos, onde quisermos, sem amarras de qualquer espécie.
A visão de Roth é menos benevolente e, no sentido kafkiano do termo, mais europeia: os seres humanos podem alimentar a ilusão de que são senhores do seu destino. Mas é a contingência que determina o que somos e, sobretudo, o que não somos.
Por isso, os heróis de Roth assumem proporções essencialmente trágicas, na dimensão clássica da palavra: eles são exemplos de “hubris”, partilhando a arrogância ambiciosa de quem acredita na sua autossuficiência para enfrentar forças ou pulsões que não se controlam.
Essas forças ou pulsões podem ser de natureza sexual e sentimental, como acontece no caso de David Kepesh, obrigado a confrontar a “tirania dos afetos” em “O Animal Agonizante” (2001, ed. Companhia das Letras).
Mas também podem ser as forças e pulsões da comunidade e Coleman Silk, figura central de “A Marca Humana” (2000, ed. Companhia das Letras), é um exemplo particularmente pungente na galeria ficcional de Roth: Silk é um afro-americano de pele clara que procura fugir aos condicionalismos do grupo, escondendo a sua condição de negro.
Ironicamente, ele acabará por ser destruído por um episódio “politicamente correto” que lida, precisamente, com as sensibilidades afro-americanas nos Estados Unidos da era Bill Clinton.
João Pereira Coutinho – Publicado na Folha de S.Paulo