Cavalos Selvagens, o novo romance de Silas Corrêa Leite, de novo surpreende, cativa, emociona.
“…quem somos nós, autointitulados humanos, senão meros cavalos passando de mão em mão e servindo como veículos para que a vida possa escorrer por meio de nossas existências? – Roberto Damatta
Diz o rock Cavalos Selvagens “A infância é algo fácil de viver(…)/Você sabe que não posso deixar você deslizar pelas minhas mãos(…)/Cavalos selvagens não conseguiriam me levar embora(…)/Eu assisti você sofrer uma dor lancinante(…)/Nenhuma saída ligeira ou falas nos bastidores(…)/Podem me fazer sentir amargurado ou lhe tratar com grosseria – Wild Horses, (Composição de Keith Richards / Mick Jagger).
O livro em si, como se sob o foco dessa música, quando o autor, mais dez anos atrás escreveu esse romance que, como todas as obras dele, partem de um situação inusitada, crucial, quando não fatal, para o desenvolver do enredo como um devaneio de jorros neurais criando em disparada; como em Cavalos Selvagens romance que, mais uma vez, revela o escritor, blogueiro, professor e escritor premiado, surpreendendo pelo estilo, também ele mesmo um cavalo selvagem, nessa manada contemporânea de idiotas entre hordas fascistas em tantos estábulos de uma manada alienada. Nesse romance meio macunaímico pelas reviravoltas, narrativas sobre uma vida que vai findar, uma vida que acaba de nascer, e nesse prisma Silas Corrêa Leite focaliza o fio da trama, e vai tecendo rumos romance a dentro, o local ermo, a vida se esvaindo, o sangue de seu sangue que brota no rancho ermo sem recursos, uma charneca, e o personagem principal, um executivo sedentário que nem sabe fritar um ovo ou lavar um lenço, tem que cuidar de um recém-nascido, perseverar e preservar a vida do único remanescente de seu clã na face da terra, condenado que está. Como não se perturbar lendo, como não acompanhar a arte do escritor, ora a galope nas circunstancias terríveis e terminais, ora amansando a fera do momento, como parte do rebanho.
No prefácio, o reconhecido literato, Joaquim Maria Botelho (ex-diretor da UBE-União Brasileira de Escritores) já bota água na fervura, bota fogo no chão, e apresenta o livro e o escritor dizendo, entre outras coisas: “O texto de Silas Corrêa Leite não é texto de quem vai à esquina, comprar fósforos para acender o candeeiro, com tempo, antes que escureça.
É texto de quem vai longe, num andamento agalopado, meio frenético até, levar uma notícia que não pode esperar. Nessa corrida, é como se o exagero de ar batendo na cara da gente sufocasse, de tanto pensamento, de tanta reflexão, de tanta posição tomada. O leitor é o cavaleiro, no lombo dessa narrativa de aparente atropelo(…). No caminho, a cavalgada solitária leva a meditações e faz a realidade transitar para o sobrenatural. E surgem as assombrações, os medos atávicos que nos perseguem desde as cavernas mal iluminadas, antes da invenção do fósforo e do candeeiro. E lá se vai o mensageiro, metido em suposições e mistérios”.
Prepare-se: você vai entrar nesse livro, ou, nessa baia, por assim dizer, e se sentir sobre o cabresto da leitura e o pelego das contações, talvez também se revelando um cavalo garraio se olhando no espelho da espécie, nas aparências que ficam, que foram, que virão. CAVALOS SELVAGENS é isso: um romance para você montar nele e curtir a narrativa, pois a “vidamorte” mesmo pode ser só isso, uma corrida contra o tempo, contra o tal final feliz em que todos morrem, já que o que o maior desfecho pode ser um páreo duro de saber, mas bonito de se ler e se situar, se sentido parte do cocho que, afinal, pode ser isso que rotulam de existir. Temos, dessa forma, num romance ultra contemporâneo e pós-moderno, drama e suspense reunidos em um só livro… quando a morte é o grande eixo da trama, talvez seja melhor desmontar da pose e pegar gosto na cavalgada da leitura.
Clarice Lispector disse: “O mistério do destino humano é que somos fatais, mas temos a liberdade de cumprir ou não o nosso fatal: de nós depende realizarmos o nosso destino fatal. Enquanto que os seres inumanos, como a barata, realizam o próprio ciclo completo, sem nunca errar porque eles não escolhem. Mas de mim depende eu vir livremente a ser o que fatalmente sou. Sou dona de minha fatalidade e, se eu decidir não cumpri-la, ficarei fora de minha natureza especificamente viva. Mas se eu cumprir meu núcleo neutro e vivo, então, dentro de minha espécie, estarei sendo especificamente humana. (in, “A paixão segundo GH”)
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