Especialista no tema erótico, Sylvio Back enviou texto inédito à Revista de Verão

Sylvio by Mauro VieiraO catarinense Sylvio Back é cineasta e escritor, autor de 38 filmes e 21 livros. Foto de Mauro Vieira

Ada, Assim é um conto inédito, que compõe novo livro. Agora prepara o lançamento nacional do filme O Universo Graciliano.

Ada, assim

Revejo-a. Cinquenta anos depois. É muito tempo, hein? Ou não? Para um morto é pouco, você diria! O rosto chapado, encarquilhado. Como o meu. As coxas ainda soberbas (dá pra ver pelo volume do andar). Iguais às minhas, obra e graça da musculação para macróbios. Revejo-a, assim, sem mais nem menos. Esquecida, esquecida estava para sempre. Agora, intacta, incólume, impávida, como é que pode? É isso que se chama física quântica?

Numa rua qualquer, num dia, idem, numa tarde única. Aquela chuvinha fina de Curitiba. Faltam nanossegundos para eu reconhecê-la. Ela não se demora nada. Cabelos desarrumados, é o vento sul. Alisei os meus, mais branquelos do que os dela. Devem ser pintados, invejei. O que importa, afinal? Num primeiro ímpeto, os corpos simularam se grudar ali mesmo. Feito ímã, um tanto gasto, pois não. Mas, antes que algum calor transite entre nós, só leve enrubescimento: pisca-pisca de alerta. Aliás, mútuo, coadjuvado por uma fi sgadinha, alhures. Nem tão alhures, confesso, infelizmente, impossível nomeá-la nesse átimo. Ao nos tocarmos, bingo! A vertigem vira tremor. Ou será temor? É aí que Ada faz-se a deliciosa Ada do baile de Carnaval de 1958.

Aqueles peitões antológicos! Esquecer? Impossível, se eles mantêmse incólumes! Toda vez em que nos encontrávamos, dito e feito, Ada tinha orgasminhos em série. Como se fosse dar um troço nela. A orelha ficava magenta, os lábios, flamantes, olhos de lobisomem. Ada se imolava, era um fogaréu de Eros. Coisa rápida, imperceptível a quem passasse ao largo. Eu, sim, testemunhava fingindo que não. Sabia e mui caridoso ficava enxugando umas lagriminhas alegrinhas rolando pelas bochechinhas. Nem preciso dizer que agora o incêndio se reprisa com a mesma intensidade. Tesão não tem idade nem cabimento. O tranco, porém, é maior.

Como é que pode? Como é que pode, santo Deus? Será que Ada conseguira recapturar, nesse exato fortuito, todos os gozos que juntos tivemos? Memória afetiva, como é o nome disso mesmo? Ou será que é pura imaginação, como alguém que jamais se olha no espelho, nem pra fazer a barba nem pra se pentear? Existe essa pessoa? Ada, ao menos, continua o orgasmo tal qual. Tremelica e, curiosamente, não fica mais tão vermelha. Ao contrário, parece que rebobina gozos estrangeiros, de outrem, de outrens, esse neologismo me ocorre diante da volúpia dela. O que não se faz e pensa tomado de volúpia, hein? Ada era a própria. Mais: a luxúria nua e crua, vestida dos pés à cabeça. Subitamente, o agarra-agarra vira atentado ao pudor. No meio da calçada, gente se entreolhando, carros diminuem a marcha, bisbilhotice geral. Que velhuscos sem noção do ridículo! Um pião carnal a toda. Ela enfia as coxas nunca assaz tão soberbas entre as minhas pernas. Não deu outra. E, com todo respeito, ejaculei como nunca dantes (Eros não perdoa, dispara!). De onde é que saiu tanto esperma, oh Jísus Craist? Pensei cá comigo, sem disfarçar um sutil toque de vingança.

Mesmo com o coração e a alma ululando, tive como pensar. Aleluia! Foram precisos gloriosos 50 anos para que eu recebesse o troco, literalmente, em espécie, latejante e umectante. Aquele menininho de antanho que fazia Ada gozar, agora era um velhinho encharcado de Ada.

Diário Catarinense

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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