Espelho, espelho meu…

O cara é um baita profissional. Competente, íntegro, equilibrado e corajoso. Sabe como poucos aplicar a lei e o faz com equilíbrio, resultado surpreendente e uma eficácia difícil de ser derrubada em qualquer instância. Leva a profissão a sério e o cumprimento do dever às últimas consequências. Alem do que, não costuma jactar-se disso; glorifica-se com o resultado de seu trabalho. É, hoje, praticamente uma unanimidade nacional e deveria ser um orgulho para a classe que representa – classe essa há muito desacreditada pela ineficiência, morosidade, despreparo, profunda arrogância e até mesmo desonestidade de alguns de seus integrantes.

Refiro-me, é claro, ao juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal do Paraná, sediado em Curitiba e julgador da célebre Operação Lava-Jato, que começa a higienizar a vida público/privada do Brasil.

Ah, ele não está fazendo mais do que a obrigação?! Sim, mas está – o que muitos não fazem. E é claro que merecem também o nosso respeito e os nossos aplausos os bravos procuradores do Ministério Público e os ativos agentes da Polícia Federal. Mas hoje o focalizado é o maringaense Sérgio Fernando Moro, da safra de 1972.

Com a sua atual ficha-corrida, é claro que o juiz Moro desperta sentimentos, além dos de carinho, aprovação, incentivo e gratidão dos brasileiros de boa índole. E um deles é o ciúme, a inveja, manifestado através de críticas de quem não perdoa a notoriedade nacional alcançada pelo magistrado e procura menosprezar a sua atuação. Isso, em um país como o nosso, era esperado e até inevitável. O que não se pode admitir é que esse melindre e essa tentativa de desqualificação partam do próprio Judiciário e – pior ainda – de sua mais elevada hierarquia, ainda que ali os egos costumem se inflar sempre que as luzes da televisão são acesas e/ou a imprensa se faça presente.

E nesse quesito é figura obrigatória o ministro Marco Aurélio Mello, primo de Collor, aquelle. No final de semana, s. exª. desceu à planície para ironizar a autorização dada por Sérgio Moro para que a Polícia Federal realizasse a condução coercitiva do ex-presidente Lula da Silva:

– Condução coercitiva? O que é isso? Eu não compreendi. Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão de resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado.

E, do alto do sua sapiência, professorou: “Nós, magistrados, não somos legisladores, não somos justiceiros. Não se avança atropelando regras básicas”.

Com efeito, excelência. Só que, mal informado, v. exª. desconhecia que Luiz Inácio já se recusara a comparecer para depor duas vezes e se preparava para recusar uma terceira vez. Também desconhecia o motivo que levou o juiz Sérgio Moro a tomar tal decisão, qual seja evitar tumulto em audiência com dia e hora marcados. Mas não foi capaz de conter a língua. E perdeu outra grande oportunidade de ficar calado.

Juiz – ainda mais de corte superior – deve falar apenas nos autos ou durante o julgamento do processo. Com o ministro Marco Aurélio de Mello isso é impossível. Tem compulsão por permanecer na mídia. Já interferira, com seus pares, no Regimento Interno da Câmara dos Deputados ao decidir sobre o rito do processo de impeachment da presidente Dilma, recebendo uma reprimenda – imaginem de quem! – do ministro Dias Toffoli…, para quem a decisão “contraria o princípio democrático” e, ao tomá-la, “nós estamos tolhendo a representação popular, a soberania popular…”. Na terça-feira, Mello criticou o recurso (embargos de declaração) da Câmara àquela decisão. E, para tanto, usou a costumeira ironia: “Não consigo conceber que depois de tanta discussão no plenário do Supremo tenhamos lançado ao mundo jurídico um pronunciamento obscuro, contraditório e omisso”.

O pior é que lançaram, excelência! Aliás, sempre que vejo o ministro Marco Aurélio deitando falação na TV ou nos jornais, não sei por que (ou sei), lembro-me daquela fábula dos irmãos Grimm, popularizada pelos Estúdios Walt Disney. Acho que, todos os dias, parodiando a vaidosa e maquiavélica rainha da Branca de Neve, o insigne homem da toga indaga do seu espelho:

– Espelho, espelho meu, existe no mundo alguém mais inteligente, sábio e belo do que eu?

Dr. Moro, cuidado com a maçã envenenada!

Blog do Zé Beto

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Sem categoria e marcada com a tag , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.