Espequitativas

Sei que o assunto a seguir pode ser desinteressante pro eventual leitor, mas o que escrever antes do resultado da eleição mais crucial da história do país? Gracias pela complacência.

A maior parte dos meus almoços depende de mim: costumo cozinhar. Sozinho ou a dois, são refeições com as surpresas – boas ou nem tanto – do improviso ao fogão.

(Breve digressão culinária: minha amorosa vó, que me criou, era péssima cozinheira, enquanto minha mãe era excelente na cozinha mas maternalmente incompetente. E quando eu pedia a uma ou à outra que me ensinassem a fazer arroz ou feijão, ambas repetiam a mesma cantilena: cozinha não é lugar de homem. O pouco que mais tarde aprendi foi com amigos bons nas panelas. Fim da digressão.)

Como eu dizia antes de eu mesmo me interromper, me alimento quase sempre às minhas custas. Daí o menu de cada dia, em geral um prato só. Domino alguns truques do refogado, meu arroz não é de se jogar fora nem no dia seguinte, e das especialidades que nada têm de especiais estão meus picadinhos. O resto vem das dicas de chefs no iutube.

Quem é capaz de preparar sua própria comida dá mais atenção ao apetite que à fome. Só que nas vezes em que estou só eu em casa, tenho à mesa as companhias possíveis: minhas expectativas. E elas, iguais àquelas de muita gente, andam famintas.

São variadas, essas expectativas, e vão da gula gastronômica à voracidade animal. A mais mirrada, pela falta de nutrição, é a expectativa política: depois do Brasil voltar ao mapa da fome, ela se desesperançou e o que sirvo não parece servir a ela.

Uma expectativa que volta e meia senta com a gente é a do emprego. Ela sabe que vivo das merrecas da aposentadoria, sabe que minha experiência profissional não encontra vaga no mercado, e por isso faz tsk, tsk diante dos pratos rasos que ofereço.

Eu tinha uma expectativa cultural, divertida e animada no passado. Nos dias de hoje, vive apática, e sai comigo mais por dó de mim que de otimismo com programas na cidade. Tem almoços que ela nem toca.

Quanto à segurança, essa expectativa engole furiosamente tudo que estiver ao alcance. Mesmo assim, continua se sentindo subalimentada, anêmica e, claro, insegura. Deve ser pelo medo das ruas que nunca vem jantar.

Ah, expectativas sociais vão bem, saudáveis e rosadas – graças aos velhos e novos amigos.

Bom, no que depender do resultado das eleições, vou repensar o cardápio pras expectativas: se der 13, muita picanha e cerveja sem álcool. Se der 22, antiácidos e purgantes, argh.

(Parte da inspiração da coluna veio do livro Almoço, do talentoso Pablito, quadrinista de Alvorada, que entrevistou a brilhante Eliane Brum lá em Altamira, Pará. Eis um primoroso projeto em livro.)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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