Nenhum jornalista morreu de tédio no governo Bolsonaro, tal foi a velocidade com que os fatos aconteciam. Aprendemos como funcionava o governo. Mas ainda não sabemos muito do que aconteceu entre as quatro paredes. E precisamos saber para contar ao nosso leitor em matérias, livros reportagens e documentários. Começamos pelo que considero o mais grave, que foi a pandemia causada pela Covid-19. A Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid–19 (CPI da Covid) fez um relatório de 1,3 mil páginas sobre os casos mais salientes acontecidos no combate a doença, devido ao negacionismo do presidente em relação ao poder de contágio e à letalidade do vírus. Os senadores conseguiram colocar as digitais do governo na morte de pelo menos 670 mil brasileiros causadas pelo vírus. Fatos novos estão aparecendo. Em outubro, a dentista Andréa Barbosa, ex-mulher do então ministro da Saúde na época o general da ativa do Exército, Eduardo Pazuello, deu uma entrevista. Ela revelou que enquanto as pessoas morriam asfixiadas por falta de oxigênio hospitalar em Manaus (AM), Pazuello fazia festa com os seus amigos na cidade.
Antes de seguir contando a história, vou fazer um relato que considero interessante. Fui processado por um delegado de polícia que havia denunciado no jornal. Durante o depoimento, a juíza me perguntou sobre como tinha feito a investigação, o making of da matéria. Fiz um longo e minucioso relato para a juíza e no final disse: “Senhora, sabe que ex-mulheres são uma boa fonte de informações”. A juíza puxou os óculos para ponta do nariz, e disse: “Os ex-maridos também, seu Wagner”. Respondi: “Sim, senhora”. Todo mundo riu na sala de audiência, inclusive a juíza. Voltando a contar a história. O que Andréa falou pode ser o fio da meada que levará a fatos inéditos do que aconteceu em Manaus durante a crise do oxigênio.
Pazuello foi para a reserva remunerada do Exército e se elegeu deputado federal pelo Partido Liberal (PL) do Rio de Janeiro. É dele a frase: “uns mandam e outros obedecem”. Dita durante uma conversa com o presidente da República. Portanto, é real a chance que se torne na Câmara Federal um marionete do Bolsonaro. Uma outra história que não conseguimos esclarecer. Quem era a pessoa que fazia a ligação entre o governo federal e os financiadores dos garimpos clandestinos nas terras indígenas e os madeireiros ilegais da Floresta Amazônica? Para começar a mexer nessa história, temos o relatório do delegado federal Alexandre Saraiva, que investigou o envolvimento com contrabando de madeira da floresta pelo então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Conheço com profundidade o problema dos garimpos e do corte ilegal da Floresta Amazônica. São problemas muitos sérios que foram agravados com o desmonte da fiscalização ambiental feita por Salles, que facilitou a entrada no negócio ilegal dos traficantes que usam os rios da região para trazer a cocaína dos países vizinhos. Até o desmonte da fiscalização, as grandes e perigosas organizações criminosas que agiam na região, como Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e a Família do Norte (FDN), de Manaus, tinham os seus negócios focados nos tráficos de drogas, armas e munição. O grande legado de Salles na área do Meio Ambiente foi ter facilitado a entrada do PCC e da FDN nos garimpos e no desmatamento ilegal. O próximo ministro da área vai ter grandes problemas com as ações das facções na região. Podem anotar.
Salles foi eleito deputado federal pelo PL de São Paulo. Pela relevância que a questão ambiental terá no governo Lula, dificilmente o trabalho feito por Salles, quando era ministro do Meio Ambiente, não irá passar por uma detalhada autópsia. Por quê? Ele pode ser o caminho para descobrir os financiadores dos garimpeiros e madeireiros ilegais. Por ser de interesse mundial, a devastação da Floresta Amazônica vai render muitas capas de jornal. Qual é o papel do Salles nessa história? É uma pergunta que temos que responder. Um outro caso de relevância para o leitor é o envolvimento do então ministro da Educação, Milton Ribeiro, e os pastores da Assembleia de Deus Gilmar Santos e Arilton Moura na extorsão de prefeitos – há matérias na internet. Fiz um post sobre o caso em 19 de abril de 2022 chamado Imprensa erra ao chamar os “pastores do MEC” de lobistas. Eles são vigaristas. Além do crime de extorsão, esse caso tem uma história muito interessante. O ministro Ribeiro foi preso na Operação Acesso Pago da Polícia Federal (PF). Houve uma série de problemas de logística na prisão do ministro. O delegado responsável pela operação, Bruno Calandrini, entendeu que esses problemas foram causados pelos seus superiores para beneficiar o presidente da República. E pediu a prisão da direção da PF – a história toda está na internet.
O caso dos pastores do MEC mostrou pela primeira vez, com riquezas de detalhes, o poder do presidente da República dentro da PF. Como também o recente caso do diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques, que tentou prejudicar o deslocamento dos eleitores dando batidas nas estradas dos estados do Nordeste no segundo turno das eleições. Justamente no Nordeste, a região do país onde o Lula tinha o maior número votos. No dia seguinte à eleição, ganha por Lula, Vasques fez corpo mole quando os bolsonaristas trancaram as estradas. Para arrematar a nossa conversa.
A primeira lição que se aprende quando se faz jornalismo investigativo é seguir o rastro do dinheiro. Não é uma tarefa fácil porque muitas vezes o dinheiro não é visível, por exemplo, quando um funcionário público é premiado com um posto na administração para defender os interesses do governante da ocasião. Isso sempre acontece nos governos. Mas o que aconteceu nesses últimos quatro anos foi muito além do exagero. A verdadeira história do governo Bolsonaro será contada pelos esqueletos encontrados dentro dos armários.
Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.