Estão maltratando VC

Quando chegou ao Brasil, vindo de Nova York, Victor Civita tinha algumas centenas de milhares de dólares e uma licença para imprimir revistas de quadrinhos de Walt Disney. O Pato Donald e Mickey eram bons parceiros. Isso foi em 1949. São Paulo ainda não tinha o parque do Ibirapuera, a avenida Paulista era uma alameda de palacetes e no bairro de Pinheiros havia um incinerador de lixo.

Civita morreu em 1990, aos 83 anos. Em quatro décadas, transformou uma pequena empresa na maior editora de revistas do país, revolucionou a relação do brasileiros com os livros, levando-os para as bancas de jornais, ajudou a redesenhar as relações do mercado publicitário com as publicações que recebiam seus anúncios e deu aos jornalistas um grau de independência pouco comum na época. Em 2008, a área onde funcionava o incinerador de lixo de Pinheiros foi transformado num espaço cultural e se chama Praça Victor Civita.

Na década de 50 as grandes agências de publicidade ficavam no Rio, administrando seus anúncios sob forte influência de relações pessoais. Civita rolava com sua pasta, mostrando que sua editora paulista batia de longe a circulação dos rivais. Em 1961, quando foi criado o Instituto Verificador de Circulação, IVC, havia quem o chamasse de Instituto Victor Civita.

Sua principal iniciativa foi o lançamento, em 1968, da revista “Veja”, que circulou durante anos no prejuízo. (Ao contrário das lendas contemporâneas, se ela não fechou foi porque ele não deixou.) Nessa época, como Tio Patinhas, Civita nadava em dinheiro. Fascículos de receitas culinárias vendiam como pão. Foi dado por louco quando decidiu vender semanalmente em bancas de jornais uma coleção de clássicos da literatura universal. Começou com “Os Irmãos Karamazov”, de Dostoiévski. Se a coleção vendesse menos de 50 mil exemplares, iria a pique. Vendeu 270 mil. Seguiram-se os “Pensadores” e os “Economistas”. Platão vendeu 250 mil. Nas traduções e notas desses livros trabalhavam 300 professores, muitos desempregados pela ditadura. Jacob Gorender, por exemplo, traduzia na prisão.

Civita viveu sempre no mesmo apartamento de Higienópolis e dirigia o próprio carro (nacional). Dava-se ao luxo de hospedar-se no Sherry Netherlands de Nova York, mas tinha sempre à mão o kit com que fazia seu café da manhã. Limusine? Nem pensar.

A manutenção da praça Victor Civita custa R$ 2 milhões anuais e até bem pouco tempo foi bancada pela Editora Abril com uns poucos patrocinadores. A editora, que neste ano viveu duas reestruturações e desde 2014 passou adiante pelo menos 17 títulos, desistiu do mecenato.

A praça Victor Civita é hoje um dos melhores pontos de encontro de jovens paulistanos em busca de cultura. A retirada dos patrocínios mistura encrencas burocráticas, mas sua essência é só uma: faltam R$ 2 milhões anuais para mantê-la. Isso é uma fração mínima do que “VC” deixou para seus descendentes. Como o dinheiro é deles, ninguém tem nada com isso.

O que Victor Civita deixou para a imprensa e a cultura nacionais vale muito mais que esse pixuleco. Um lugar aonde se vai atrás de um bom show, palestra ou filme vale muito mais. Não trata de parar de maltratar “VC”, mas de não maltratar quem está vivo.

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Elio Gaspari – Folha de São Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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