As 9 pessoas que você provavelmente vai namorar, de acordo com Simone De Beauvoir

Quando você tenta encaixar os seus “casos” recentes em seus respectivos arquétipos. “Claramente ela é como a fulana” ou “Ele é tão babaca” – é bem improvável que o nome de Simone de Beauvoir entre nessa conversa.

Aclamada por sua teoria feminista e filosofia existencialista, Beauvoir foi uma das primeiras mulheres a receber um diploma da prestigiada Universidade Sorbonne de Paris e a pessoa mais jovem a passar no infame exame da agrégation em filosofia. A maioria a conhece por suas contribuições para a vibrante cena intelectual parisiense e pelo seu relacionamento com Jean-Paul Sartre*. O que poucas pessoas sabem é que Beauvoir fez uma vez uma análise sucinta, sarcástica e brilhante dos nove tipos de pessoas que você certamente vai namorar um dia.

Na parte II de Por uma Moral da Ambiguidade, Beauvoir detalha uma série de reações comuns que as pessoas têm para a perda da infância. Você entende que a percepção do mundo não é dada por Deus ou pelos pais. Naquele momento parece que estamos livres para agir, mas estamos paradoxalmente ligados ao destino. A verdade é que a maioria das pessoas que você encontra está lutando com uma assustadora mistura de liberdade e falta de liberdade que vem com a idade adulta. Mas todos estão sofrendo de formas diferentes. Beauvoir ataca sutilmente os maiores pensadores da época – ela não era fã de Friedrich Nietzsche – e suas classificações são estranhamente aplicáveis aos encontros do Tinder.**

1. O Sub-Homem: “Nada jamais acontece; nada é mérito do desejo ou do esforço”.

O pior de todos, o Sub-Homem tem um vislumbre da liberdade pós-infantil e, horrorizado, fecha-se para o resto do mundo. Seus pais permitiram o medo de brócolis e agora ele se nega a comer comida asiática. Esta pessoa decidiu há muito tempo que tudo no mundo é insignificante e sem brilho tornando a profecia autorrealizável e em vez de enfrentar o desafio do livre-arbítrio ela esconde-se disso. Este é o tipo desanimado e apático — homem ou mulher — que ficaria em pé na frente da Ponte Golden Gate e permaneceria indiferente. Fator de risco: Baixo. Você será capaz de reconhecê-los a mil léguas.

2. O Homem Sério: “O Homem Sério se livra da sua liberdade com a pretensão de subordiná-la aos valores que seriam incondicionais”.

Provavelmente o tipo mais comum, o Homem Sério resolve a crise existencial da puberdade escolhendo algum objeto arbitrário ou sistema para definir os seus valores. Não existe nenhuma razão para ela ter escolhido aquela coisa – será que a sua aula de spin é realmente sagrada?? – mas quando que ela se decide por algo, ela não muda de ideia. Este tipo aparece em todos os lugares, de fanáticos religiosos a CEOs gananciosos que definem a sua autoestima com dinheiro. Em algum momento ela provavelmente questionou a adesão a esse culto, mas agora ela acredita “por acreditar” só para ter um significado absoluto no mundo. Dica: essa pessoa tende a saber que ela é uma fraude e desta forma você a reconhece por sua predisposição à ironia. Fator de risco: Médio. Se você escolheu valores arbitrários parecidos, você vai se dar bem.

3. O Homem Apaixonado: “Tendo se envolvido durante toda a sua vida com um objeto externo que pode escapar continuamente, ele sente tragicamente a sua dependência.”

É fácil confundi-lo com o Homem Sério pois o Homem Apaixonado vai obsessivamente investir toda a sua energia e crença em algo. No entanto, o Homem Apaixonado não acredita que o significado resida de fato nesse objeto – mas em sua relação com o objeto. Ela falará sem parar sobre sua conexão especial com o novo álbum da FKA Twigs ou com a poesia italiana do século 17, o que pode inspirar você, mas também transforma “qualquer conversa, qualquer relacionamento em algo […] impossível.” Se você tiver sorte suficiente para ser o objeto da sua paixão, você estará em um mágico e esmagador romance – mas fique de olho pois as coisas podem sair do controle. Infelizmente, o Homem Apaixonado deve enfrentar o fato que ele nunca vai estar totalmente unido a você ou com a Srta. Twigs. Fator de risco: Médio. Ideal para um intenso romance de verão – contanto que você consiga lidar com o desgaste emocional e a pior briga de separação da sua vida.

4. O Niilista: “Consciente da sua incapacidade de ser qualquer coisa, ele decide então ser nada”.

Normalmente encontrado em adolescentes que acabaram de perder o estado idílico da infância, ele também pode aparecer nas crises de meia-idade das pessoas que tentaram ser sérias — e falharam. Às vezes eles parecem Sub-Homens, mas os niilistas se arriscaram no mundo. Eles tentaram exercer a sua liberdade, mas foram derrotados. Então, eles tendem a ser mais exuberantes, agressivos e propensos a forçar em você suas leituras lascivas de Nietzsche. Fator de risco: Alto. Ao contrário dos Sub-Homens, eles não se contentam em ficarem apenas sentados e serem mal-humorados. Eles têm que provar para todo mundo que o mundo é sem sentido – mesmo que isso signifique destruir coisas que outras pessoas criaram. “Se ele quer ser nada, toda a humanidade também deve ser aniquilada”, adverte Beauvoir. Credo.

5. O demoníaco: “A gente teimosamente mantém os valores da infância, de uma sociedade, ou de uma igreja, a fim de ser capaz de passar por cima deles.”

Uma marca peculiar do Homem Sério, o Demoníaco permanece leal a alguns princípios de organizações ou grupos — mas apenas para que ela possa rejeitar e reclamar sobre eles. Este tipo pode ser uma mulher que vende bolsas Birkin e trabalha na Vogue, mas recrimina a indústria da moda. Ou o cara que recomenda hambúrguer para o jantar só para passar a refeição toda reclamando sobre a ética da carne que se alimenta da grama. O domínio clássico do hipster. Fator de risco: Baixo. Muito fácil de reconhecer, embora sua personalidade dividida possa seduzir o excessivamente curioso.

6. O Aventureiro: “Ela se joga nas suas investidas com grande entusiasmo, em explorações, conquistas, guerras, especulações, amores, política, mas no fim ele não se une ao que ele mira; é apenas uma conquista própria”.

A versão otimista e cheia de energia do Niilista – o Aventureiro sabe que não há um sentido final na vida. Então, ele decide adotar uma existência hedonista de curiosidades, agarrando um milhão de oportunidades sem permanecer fiel a qualquer uma delas. “Ele gosta do que o beneficie” e parece ter se emancipado da angústia existencial e vivências “de momento” como todos nós gostaríamos de poder. Ele ou ela vai tirá-lo do chão com palavras suaves inspiradas no pop-budismo. Mas cuidado: o Aventureiro tem um desejo secreto que suas aventuras sejam descritas em livros de história e exige a “aprovação de alguns fiéis”. Fator de risco: Alto. Cheio de aforismos sedutores e idealistas, o Aventureiro secretamente apoia qualquer mal social que permita seu estilo de vida anárquico e boêmio. Ele se tornará emocionalmente dependente quando perceber o quão perto está do Niilismo ou irá dispensá-lo quando a próxima aventura aparecer.

7. O Crítico: “Ele entende, domina e rejeita, em nome da verdade total e das verdades necessariamente parciais, o que cada compromisso humano revela”.

Muito cético, sempre cauteloso, o crítico está atento ao que pode se tornar Sério ou Niilista. Então ela evita a lealdade a uma única doutrina, mas mantém a ideia de que algumas doutrinas podem ter mais significado do que outras. No entanto, o crítico continua a ser dedicado à mente como um objetivo, espaço universal que pode escapar às subjetividades do corpo. Mas é tudo uma artimanha: “Em vez da mente independente que ele afirma ter, ele é só um servo vergonhoso de uma causa para a qual ele não escolheu participar”. O crítico veste-se praticamente só de preto e inevitavelmente atenua as afirmações com expressões do tipo “por um lado”, “quase”, “virtualmente”, “parece que”, etc. Fator de risco: Baixo. Não é particularmente sedutor ou desagradável de se estar próximo. A sua tendência a mudar de posições irritará você com o passar do tempo.

8. O Artista: “É a existência que eles estão tentando definir para ser eterna.”

Como o Aventureiro, eles têm reações bastante maduras para suas crises existenciais. Aceitam que o mundo não tem “essência” a se perseguir, então o artista desvia a sua atenção para o superficial da vida, e tenta a cada dia transmutar essa superficialidade em algo notável. Como os críticos, porém, os artistas acreditam secretamente em um espaço objetivo fora do tempo e do livre arbítrio: a beleza. Ele ou ela vai falar e falar sobre a importância de uma pintura atual e esse interesse pode facilmente vacilar entre o comportamento de um arquétipo apaixonado ou sério. Fator de risco: Médio. Você pode estar atraído em como as aquarelas podem emancipá-lo de todas as preocupações existenciais… até que você percebe que você nunca vai superar o seu verdadeiro ídolo: a arte.

9. O Homem Livre: “O Homem pode encontrar uma justificativa na sua própria existência apenas pela existência de outras pessoas”.

Na opinião de Beauvoir, há uma raça rara de pessoa que fica cara-a-cara com a angústia existencial e consegue chegar do outro lado. Eles fazem isso desinteressadamente com foco na felicidade dos outros. Passando por fixações de outros tipos – feitos aventureiros, arte, mente, doutrinas – mas nunca caindo no niilismo, elas são fieis a um princípio: proteger a liberdade dos outros. Esta é a alma altruísta, o melhor ouvinte, a pessoa que sacrificaria o seu próprio bem-estar incondicionalmente pelo dos outros. Não está claro se algum destes homens e mulheres livres existem. “Querer-se livre é também querer os outros livres”, diz Beauvoir.

Embora o relacionamento de Beauvoir com Jean-Paul Sartre tenha sido muitas vezes elogiado como modelo de casais intelectuais, os dois realmente levavam vidas românticas bem independentes, muitas vezes envolvendo-se em ménage à trois e tendo amantes separados em um relacionamento aberto. Os jogos românticos de Sartre beiravam o desprezível e provavelmente ele estava mais perto do arquétipo do Homem Sério ou Crítico, do que o do Homem Livre.

Beauvoir opta por pronomes do gênero masculino, mas eles foram intencionalmente misturados aqui. Este artigo foi originalmente publicado pelo HuffPost US e traduzido do inglês.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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