Excomungados e abençoados

Foto da camisinha: Boris Korwat/AFP.

Nem todo mundo parece ter percebido claramente a real intenção da Igreja Católica neste episódio de excomunhão da menina pernambucana de 9 anos, grávida de gêmeos em consequência de estupro. Foram interpretar o fato depressa demais e instaurou-se a polêmica. Agora, para preservar a imagem da Santa Sé, tenho eu que explicar aos homens de má vontade.
O negócio é o seguinte: há séculos a Igreja vem acumulando gratidão aos estupradores. Afinal, eles têm sido fiéis emissários da vontade divina e promovem, na prática, um ensinamento básico, aquele que garante o aumento contínuo do rebanho cristão: o crescei e multiplicai-vos. Aliás, para lotar o quanto antes as paróquias, eles nem perdem tempo com o crescei. De resto, são rapazes e homens maduros que agem no seio da família, que a mantêm unida em torno dos mais sagrados sentimentos religiosos.
Tão grata é a Igreja a esses benfeitores do cristianismo que se sente obrigada a reagir coerentemente diante dos que acusam os estupradores e também frente a iminência de um aborto dessa natureza. Por isso o Arcebispo de Olinda e Recife saiu em defesa de quem mais merecia compreensão, o estuprador. Afinal, esse cabra põe os seus instintos bestiais a serviço do culto a Deus. Por isso o arcebispo excomungou as maiores ameaças à fé: a desnaturada mãe da menina e aqueles médicos incréus.
Além disso, para ser justa com o estuprador, a Igreja salienta um agravante no caso: essa menina tem nove anos mas com um corpinho de onze. Para piorar, estava ovulando na hora e no local errados. É uma tentação precoce, sabe-se lá se aí não se esconde uma provocação do demo.
Em face dos acontecimenos e da reação da opinião pública, a Igreja agora já providencia dois procedimentos canônicos: a beatificação dos estupradores e a escolha de um santo protetor desses penitentes exemplares, que podem até não rezar mas ajoelham e fazem as menininhas ajoelharem também.
Quanto a esse crime hediondo, o aborto, há que ressaltar: se a Virgem Maria tivesse feito um aborto por causa da Anunciação (um estupro indolor e sem coação), a humanidade não ganharia o seu Salvador.
Enfim, para o Vaticano, é preferível abençoar os estupradores e excomungar as abortadoras porque a Vida tem que ser respeitada, mesmo que venha do incesto ou de um ataque brutal. É natural que assim seja, ao contrário das abomináveis relações homossexuais, outro crime gravíssimo, que nem se compara a um crime brando como o estupro.
Com este esclarecimento, espera-se que deixem o pobre estuprador em paz com o kit recebido do Papa Ranzinger: uma caixa de vinho missal e um garrafão de água benta para sua purificação espiritual. Vá que a repercussão negativa afete sua masculinidade e impeça novos estupros.

Fraga.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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