Ruy Castro – Folha de São Paulo
RIO DE JANEIRO – Em 1952, um italiano, Alberico Campana, 25 anos, desceu de um navio no Rio. Deu uma volta pela praça Mauá e escutou, saindo de um alto-falante, o samba-canção “Se eu morresse amanhã”. Não entendeu a letra, mas encantou-se com a melodia (ambas, só depois saberia, de Antonio Maria) e com a cantora –Dircinha Batista. Por causa da música, decidiu ficar. Trabalhou de cozinheiro em restaurantes italianos e, dois anos depois, com sócios, abriu sua própria casa, o Little Club, num beco em Copacabana –o futuro Beco das Garrafas.
Pelo palco do Little Club em seus primeiros tempos, passaram Doris Monteiro, Tito Madi e a mulher pela qual Alberico se apaixonou: Dolores Duran. Alberico nunca se declarou a ela, nem precisava —Dolores sabia, mas fingia não saber, para não magoá-lo. Durante anos trabalharam juntos sob aquela atmosfera típica de um samba-canção. Dolores morreu em 1959 e nunca houve nada entre eles. Ao me falar dela, décadas depois, Alberico deixou escapar uma lágrima.
Por volta de 1960, outras vozes surgiram e Alberico estava atento: as da bossa nova. Comprou um restaurantinho ao lado do Little Club e fez dele o Bottles. O Beco era agora o feudo de feras como Johnny Alf, Sergio Mendes, Leny Andrade, Wilson Simonal e dos cobras do samba-jazz. Um dia, o Beco acabou e Alberico se espalhou pela cidade, abrindo e fechando casas que sempre serviam duas coisas: boa comida e boa música.
Por uma eternidade, foi o melhor amigo de Tom Jobim —viam-se todos os dias. Era também louco pelo Rio, de onde nunca mais saiu: “A paisagem, a cidade, o povo, tudo é generoso. Até a nossa esculhambação é generosa”.
Alberico, que morreu nesta segunda (7), aos 90 anos, era um exemplo dessa generosidade. Em suas casas, as “penduras” de alguns clientes tinham dois metros de comprimento.