Pesadelo recorrente
Em 31 de março de 1964 eu tinha 16 anos. Ouvia bossa-nova, as canções do CPC da UNE, lia O Estado e a Revolução, a História Nova, a poesia de Evtuchenko e via o cinema de Nelson Pereira dos Santos. Vibrava com a revolução cubana, com o Sputnik soviético, com a China de Mao.
Eu tinha 16 anos, militava no PCB, estava apaixonado por uma atriz, sonhava fazer teatro. Nesse dia eu caminhava na rua XV e na altura da Marechal um companheiro me disse que o governo de João Goulart fora derrubado e os militares tinham tomado o poder. Não esqueço a sensação que isso me provocou. Fiquei pasmo, paralisado, resistindo a acreditar que fosse verdade. O golpe desmanchava a realidade em que eu vivia. Acreditava que estávamos no poder e passávamos por mudanças que nos aproximavam da contemporaneidade do mundo. A caminho de uma sociedade mais justa, menos opressora, mais libertária. A caminho do socialismo.
Então, nesse 31 de março, há 57 anos, desceu sobre nós a noite espessa de uma ditadura militar que durou duas décadas e meia. Anos de supremacia dos retrógrados, liberticidas, que na verdade ainda estão aí. Recuperaram forças, empalmaram o poder e nos impõe um governo com o mesmo caráter do regime fardado. Como um pesadelo recorrente, estamos novamente condenados a um longo tempo de trevas e de resistência. A cena é emblemática, do filme A terra em transe, de Glauber Rocha.