A qualquer custo, férias. Fosse essa a atitude de funcionários dos quais dependesse parte do serviço público fundamental, o Judiciário, como já se testemunhou tanto, imporia a prioridade do interesse público. Assim é até quando o direito universal de greve, e não apenas férias, está em questão. As férias do Supremo Tribunal Federal, porém, são regidas por outro princípio desconhecido, como mais um dos casos do mal afamado “segredo de Justiça”.
O Supremo Tribunal Federal deu prioridade ao início das férias, como previstas para a sexta-feira (18), a adiá-las por poucos dias para não deixar o país na baderna institucional, com sua Câmara deslegitimada como Poder Legislativo, sob direção virtualmente destituída a pedido da Procuradoria-Geral da República. E, apesar disso, ativa para as manipulações que desejar.
O Supremo satisfez-se em deixar assentado o ritual de um impeachment. As últimas semanas foram de confusão a respeito, com a colaboração do noticiário de imprensa, que prosseguiu informando que o Supremo deu ao Senado o poder de barrar o impeachment, e coisas assim. Isso mesmo está em mais de um artigo da Constituição há mais de um quarto de século, em textos curtos e claros, definidores de que a Câmara apenas admite (ou não) o processo de impeachment e, ao Senado, compete processar e julgar (ou não) o presidente. Ou seja, pode sustar ou dar ao processo as consequências possíveis.
No mais, onde o relator Luiz Fachin quis inovar, e fez a alegria apressada e efêmera dos impichadores, 8 dos 11 ministros preferiram os mais ponderados argumentos, expostos por Luiz Barroso, pela reprodução do ritual parlamentar usado no impeachment de Collor. Não é o melhor como regra, porque leva a um conservadorismo que exclui melhorias. No caso, porém, evitou mais conturbação com acusações de favorecimento e desfavorecimento, causadas pelas possíveis inovações. E as férias já na porta nem davam tempo para discussão de procedimentos ideais.
Foi um julgamento bonito, não só pelo avanço progressivo da reviravolta, quando o colunismo impichador anunciara “até quase unanimidade” na aprovação do relatório Fachin e do seu apoio às manobras de Eduardo Cunha. Foi bonito pelos princípios defendidos, com apenas 2 dos 11 ministros seguindo Fachin: Gilmar Mendes, pouco presente no julgamento, e o moço Dias Toffoli, cada vez mais tomado por um pensamento primário e mofado.
Toffoli considerou que o STF estava “tolhendo a soberania popular” ao reconhecer no Senado, como quer a Constituição, o poder exclusivo de processar e julgar o presidente em acusação de crime de responsabilidade. Mas Câmara e Senado são eleitos da mesma maneira, pelo mesmo eleitorado. Senadores, em geral, portam até mais representatividade do eleitorado soberano, tendo quantidade individual de votos quase sempre maior do que os deputados mais votados no mesmo Estado.
Transparência foi uma palavra muito citada e decisiva na confirmação do voto aberto sobre impeachment. A palavra já entrou no Supremo, pois, apesar de para uso externo. Situação bem mais promissora do que o respeito a prazo de vista em processo sob julgamento, isenção política de todos nos julgamentos e compostura expressa no comparecimento ao plenário. Em sessão de tamanha importância, Gilmar Mendes lá esteve por pouco mais do que o necessário para sua habitual diatribe. Chegou tarde e saiu cedo “para viajar”, precipitando as férias. Ao que o presidente Ricardo Lewandowski apenas lhe dirigiu um curto e enfático “boa viagem”. Que talvez não fosse, mas parecia do gênero “à vontade, não fará falta”. Mais uma ideia ponderada no julgamento.
ENTREGA
Acabou a discussão sobre a publicidade da carta de Michel Temer a Dilma. O vice decorativo se disse surpreso e contrariado com a publicação da carta, insinuando ser coisa da Presidência. Agora, sua nota de resposta ao ataque de Renan Calheiros foi logo divulgada com exclusividade pelo mesmo jornalista que teve exclusividade da carta. Com destinatários distintos, a origem das divulgações idênticas só pode ser a mesma. Temer mentiu.
Janio de Freitas – Folha de São Paulo