Quatro semanas atrás, escrevi uma crônica sobre o casamento de um amigo de adolescência. A de hoje é a continuação daquela. O reverso da outra, o lado B da festa.
As bodas ocorreram no dia 14 de abril. Um mês exato depois, num sábado de sol frio na Guanabara, o telefone tocou com uma notícia curta e sem sentido: “O Breno morreu”. Fingi não ouvir. Voltei para o quarto e me agarrei ao crochê, querendo crer em boato. O silêncio na sala, no entanto, não era um bom sinal.
Larguei a agulha e fui encarar o fato. Andrucha chorava. A produtora de “Dona Vitória”, longa que Breno rodaria com a minha mãe, confirmou a tragédia. Ele se sentira mal no primeiro dia de filmagem, numa cidadezinha do interior de Pernambuco, e sofrera um mal súbito, sentado diante do video assist.
A última vez que eu o vi foi na cerimônia de casamento. E de todas as mazelas que descrevi na famigerada crônica, das próteses femorais às apneias, dos cálculos renais às obstruções coronarianas, nenhuma dizia respeito ao Breno. De todos ali, ele era o que menos havia pecado. Não bebia e não fumava, embora sofresse de pressão alta e exercesse sua profissão de maneira obstinada, emendando projetos gigantescos, sem nunca se dar trégua.
Breno havia terminado a segunda temporada do excelente “Dom” e faria a terceira no segundo semestre. Em paralelo, escrevera com Paula Fiúza, sua esposa, um roteiro baseado na história real de uma retirante nordestina que conseguira comprar, a muito custo, um pequeno apartamento no Leme, virado para a mata. A casa própria seria a garantia de uma aposentadoria segura, não tivesse a miséria tomado o morro e a violência dominado a cidade. O futuro nada garante.
Breno queria trabalhar com dona Fernanda e, para conciliar datas, cavou espaço numa agenda já sobrecarregada. É comum associar o artista à leniente cigarra da fábula, mas estamos mais para a formiga. Em cinema, trabalha-se 12 horas por dia, seis dias por semana. Antes, um filme durava dois meses, hoje, com as séries, lavora-se cinco seguidos nessa batida.
O audiovisual é uma indústria pesada, feita com paixão e risco. Como produtor e diretor, pesava sobre o Breno a responsabilidade de gerir orçamento e prazos. Atrasar um projeto, muitas vezes, significa esquecê-lo, e dar o sinal verde para o início de uma produção, assumir uma logística comparável à de uma empreitada de guerra.
Mas a carga horária e a pressão não explicam a morte dele, tampouco seu espírito vocacionado, que o levava a esticar a corda. Não. Há oito anos, um tumor no cérebro, sem aviso ou causa, levara embora a mãe de suas duas filhas, Renata, a mulher mais gentil que já existiu, minha colega de turma na escola. Tudo o que envolve a partida do Breno é especulação, da reação trombótica provocada pela Covid recente a uma possível bomba relógio congênita, plantada, há muito, no coração.
Éramos cerca de 50 comparsas no casório, no velório do MAM, era uma geração inteira. Atores, diretores, produtores, fotógrafos, roteiristas, editores, músicos e técnicos, além dos sócios viúvos da Conspiração Filmes, vieram velá-lo. O da prótese femoral arrastava as muletas, o das pedras no rim enviava mensagens de pasmo do México e o do stent coronariano, parceiro de Breno em vários trabalhos, comparava o choque com a partida do amigo ao da perda do Titã Marcelo Fromer.
Tony Belloto, também presente, confessou que o atropelamento do guitarrista marcou o fim da adolescência da banda. No lugar da imortalidade juvenil, a consciência perturbadora da fragilidade humana. O flerte dos 20 com o suicídio mata aos 50.