Bonsai

A árvore de Natal de 2018 sofreu uma redução proporcional à dos nossos ministérios

O annus horribilis de 2014 se anunciou na derrota de 7 a 1 para a Alemanha e se confirmou na reeleição de Dilma Rousseff.

Depois de enfrentar a seca bíblica, a queda das commodities e de tentar bombar a economia a fórceps, Dilma se reelegeu retesando os preços de energia e maquiando o fracasso da Nova Matriz Econômica.

Até então, a árvore de Natal da lagoa havia acompanhado a toada do Brasil grande. Na passagem de 2014 para 2015, o monstrengo atingiu sua altura máxima, com estridentes jingle bells que torturavam a vizinhança a cada quarto de hora e penduricalhos dignos de esplendores de Clóvis Bornay.

O céu era o limite para o gigante recém-desperto e os patrocinadores do enfeite.

Nos primeiros dias de janeiro de 2015, no entanto, mal curada a ressaca do Réveillon, lá veio Joaquim Levy anunciar a tragédia recessiva. Os meses daquele ano passaram lentos, marcados por pautas bombas e pela dolorosa consciência da crise.

Na manhã do dia 20 de novembro, acordei com o dia chuvoso e fui até a varanda admirar a névoa sobre a lagoa.

Foi quando notei, na margem oposta do espelho d’água, um andaime retorcido. Era a árvore de Natal colapsada, quatro dias antes da estreia, com a metade superior debruçada sobre a base arruinada. As rajadas da frente fria haviam dado cabo dela durante a noite.

A visão funesta, tive certeza, era fruto do carma acumulado, presságio do decennium horribilis do qual ainda tentamos nos livrar. A conífera reluzente foi símbolo do ufanismo olímpico, da bolha imobiliária, da euforia da farra dos guardanapos e do Cristo Redentor decolando na capa da The Economist.

Aproveitando o investimento em metal dos anos anteriores, o Nabucodonosor com pés de barro cresceu como uma Torre de Babel da Casa Turuna. A estrutura, porém, se mostrou tão frágil para sustentar a ambição de grandeza, quanto a política econômica de Margárina. O delírio acabava ali, nas ferragens tortas.

Com a bancarrota do Rio de Janeiro e a cúpula do PMDB na cadeia, morros em guerras e fuzis no asfalto, as tabuletas de venda se multiplicaram nas janelas dos apartamentos da cidade fantasma. Por dois anos, a lagoa viveu o luto, sem árvore, sem trânsito, sem público ou comemorações.

Achei que era para sempre, mas não.

Noite dessas, meu cônjuge me chamou para ver um objeto não identificado sobre a favela da Rocinha. Era um óvni de luzes vermelhas, estacionado sobre a comunidade.

Cogitamos se tratar de um drone exterminador do Witzel, mas, firmando melhor os olhos, percebemos o engano de perspectiva. Sob o que supúnhamos ser um disco voador, identificamos o perfil apagado de uma árvore de Natal a boiar.

Com dimensões de Estado mínimo, a versão 2018 sofreu uma redução proporcional à dos nossos ministérios. Para a alegria de quem mora em volta, ela ressurgiu muda, sem vocação para badaladas. Comparada às da primeira metade da década, a bicha mais parece um pinheiro anão, mas é honesta, como tudo, hoje, pretende ser.

Se eu enxerguei maus augúrios no desastre que se abateu sobre o modelo 2015, devo admitir o caráter simbólico da reaparição. Delfim Netto diz que o crescimento econômico depende de fatores irracionais, como o humor do consumidor. A árvore de 2018 tenta reconquistar o otimismo.

O futuro dirá se o choque ultraliberal de Paulo Guedes e dos “Chicago boys” tirará o país do ponto morto. Quanto ao Rio, tenho sérias dúvidas da capacidade da cidade de se reerguer.

Se fosse para servir de representação, traduzindo a confiança dos cariocas no futuro, o bonsai de Natal da lagoa viria melhor a calhar.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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