Foi-se o tempo

Bom Retiro, divisa com o parque São Lourenço. Este é o pedaço de Curitiba onde me escondo – miolo de quadra, a saída é na entrada e a entrada é na saída. A numeração das casas, nesta parte da Nilo Peçanha, é alheia à seqüência métrica crescente, como se cada residente pusesse onde mora o número que mais simpatiza. Aqui é diferente: o buraco é mais embaixo e a internet, sem banda larga. Moro perto, mas vivo longe.

Meus limites são: ao sul e a sudeste, o vale do Belém e a brisa do lago do referido parque, aprazível, sim, embora (até quando?) fétido; a oeste, o hospital psiquiátrico Bom Retiro e o cemitério municipal; ao norte e a leste, o resto do mundo – coisa que muito me interessa. Quanto ao centro da cidade, nem quero saber onde fica ou ficava. Para lá só vou em caso de extrema necessidade, ao psicanalista ou, em último caso, literalmente, ao médico legista – coisa que, ainda bem, jamais ficarei sabendo. Lá, sei que vou ter problemas com a peculiar alta densidade demográfica e automotora. Não suporto, mesmo, os estampidos estuporantes das máquinas motocíclicas e dos automóveis. Não sei como tais abusos passam impunes – são muitíssimo piores que tantos outros excessos urbestas. Em seguida vêm os alarmes e os chamados sons nos carros, parados ou em movimento; estes, aliás, de som não têm nada, mas sim de ruído, barulho, estrondo: são balbúrdias metálicas insuportáveis. Isto, sem falar na violência urbana, já assimilada pela população, como se fosse natural. A poluição visual e outras chegam a ser até simpáticas, perto dessas barbaridades. São essas y otras cositas que tornam o centro de toda merdalópole cada vez menos habitável, a não ser para os ratos, ratazanas e camundongos – nem só no centro. Ainda bem que já teremos alguns dias silenciosos, com a chegada do magnífico carnaval curitibano.

(Ewaldo Schleder, em “abaixo as motocicletas barulhentas”)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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