Folhetim 4

Novo trecho das memórias do repórter Toninho Vaz, retirado do livro em processo Do rádio galena à website (título provisório). No último capítulo, ficamos sabendo que o repórter do Diário da Tarde, num dia qualquer de 1973, estava aguardando Tim Maia no bar do Guaíra Palace Hotel para uma entrevista coletiva. E que algo inesperado aconteceu.

Depois de muita demora, entre idas e vindas dos empresários, o ambiente passou de calmo a nervoso. Meia hora de atraso, uma hora de atraso… e nada de Tim Maia! Todos olhando para o relógio. “Ele está no quarto se arrumando, já vai descer”, dizia alguém. O tempo passando e, várias doses de uísque depois, alguém comunicou que a entrevista estava cancelada, “infelizmente”. Como conseqüência, quase assistimos a cenas de pugilato entre os dois empresários…. O rapaz de Curitiba, na condição de promotor do evento programado para o dia seguinte, se sentia prejudicado e exigia a presença do cantor “imediatamente” no bar do hotel para a entrevista. E o fazia em voz alta, para os repórteres poderem ouvir. Uma nova rodada de uísque foi oferecida, mas o cancelamento estava confirmado. Foi quando todos os meus colegas abandonaram a cena do crime e, diante do bar vazio, não me restava alternativa senão pedir a última dose, a saideira, enquanto Rubens Vandressem, o fotógrafo, voltava para a redação com a missão de “derrubar” a matéria. Eu estava liberado. Foi quando o Sobrenatural de Almeida apareceu…

Já no balcão, quando fui dispensar o copo, esbarrei no empresário carioca do cantor, que se mostrava aborrecido e nervoso com os acontecimentos. Aproveitei para saber:

— Agora conte a verdade: o que aconteceu com o negão? Aposto que está chapado no quarto – arrisquei já bastante desinibido.

— Claro – respondeu ele sem nenhum pudor.

— Então, como não estou mais trabalhando, que tal você me apresentar ao Tim Maia. Sou fã de carteirinha. – arrisquei.

Ele olhou de esguelha para os meus cabelos compridos, na altura dos ombros, e confirmou com a cabeça:

— Tudo bem, mas eu vou subir antes. E venho te buscar se for o caso…

Jogou pra dentro uma dose de uísque sem-gelo e saiu em direção ao elevador.

Dez minutos depois surgiu na porta fazendo um sinal com a mão para eu acompanhá-lo. Entramos no elevador. A cena no quarto, onde existiam duas camas de solteiro, era essa: Tim Maia estava deitado na cama próxima à janela, enquanto três ou quatro rapazes da banda se espalhavam no ambiente, alguns no banheiro e outros na mesa, tomando cerveja. Eles se movimentavam pelo quarto. Era um clima de drogas e eu conhecia muito bem o cheiro de incenso. Diante do fato de que eu era jornalista, naquela circunstância, ele tinha que dizer alguma coisa razoável. E disse:

— Não dá pra descer agora, cumpadi… Ta vendo? Não dá pra sair daqui. Quer fumar um do bom?

— Aceito – respondi – tentando fazer tudo parecer natural.

Ele então puxou debaixo da cama uma maquininha de apertar baseado, aquelas da manivela que enrola, despejou uma quantidade de maconha no papel de seda (Colomy) e em menos de um minuto o negócio estava apertado, um cilindro perfeito. Fumamos e nos sentimos mesmo mais relaxados. Fiquei olhando a figura – não tão obesa como conheceríamos no final da vida, quase três décadas depois. Eu estava encostado na janela, o lugar mais arejado do ambiente. Às minhas costas, a imensidão da praça Rui Barbosa, com a Igreja do Bom Jesus à direita e o colégio de freiras à esquerda.

Foi quando aconteceu um fato notável. Aqueles que estavam no banheiro, dois ou três dos rapazes, começaram a cantar alguma coisa, solfejando, criando ritmo (sempre suspeitei que estivessem cheirando pó). Alguém abriu a torneira de súbito e o barulho da pressão da água foi usado como percussão – ssshhhhhh, sshhhhhh… – e uma saboneteira também. O som foi num crescendo… Minha memória não permite lembrar qual a música que estavam cantando. Tim levantou-se da cama mais animado… E foi também ao banheiro; a porta se fechou atrás dele, mas o som não parou, pelo contrário, a empolgação aumentou. Ele saiu dois minuto depois com uma decisão na ponta da língua, apontando pra mim (eu não fui convidado a entrar no banheiro):

— Você pode quebrar o nosso galho. Os meninos querem tocar. Precisamos de um lugar com bateria, amplificador pra guitarra e baixo. E microfones. Os metais a gente leva.

Sim, eu conhecia o caminho das pedras. Liguei imediatamente para a relações públicas do hotel, uma bela moça que tinha o escritório ao lado da recepção, e expliquei a situação. Ela reagiu como eu esperava, com receptividade:

— Tem a nossa casa em Santa Felicidade, o Madalosso, que tem som ao vivo… Vou ligar pra lá e já retorno pra você.

A seguir: confusão no Madalosso; ofereceram aos músicos o prato típico: polenta com frango. O magrinho do trumpete passou mal só de olhar a comida na mesa. O repórter transforma-se em testemunha de um show inusitado (“espetacular”) de Tim Maia.

Continua no próximo folhetim.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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