O covid permitiu a Ratinho governar quatro anos sem o desgaste de pouco ou quase nada fazer, de governar no modo virtual, pela internet e pela propaganda. A epidemia aliou-se ao negacionismo e à inatividade doentia de Bolsonaro em minorar os riscos da peste, ambas eficientes escudos e garantias de sobrevivência de todos os governadores. Se houve alguém comprometido e eficiente no combate ao covid foram os prefeitos, obrigados a enfrentar o povo. Os governadores vestiram as máscaras, trancaram-se nos gabinetes e fingiram brigar com o presidente sobre a importação e validação de vacinas – que o presidente combatia ao prescrever placebos, na inconsequência criminosa de sua marca registrada.
A convenção de hoje será a homologação do óbvio, de um governador eleito por antecipação de quatro anos para outros quatro – ou talvez três anos e três meses, pois o céu é o limite no destino deste governador afortunado. Nosso governador, no entanto, é um varão de Maquiavel apenas na fortuna, não na virtù. Para não ofendê-lo, resgatemos o que é a virtù em Maquiavel: é a ousadia, a coragem, o ímpeto de desafiar até o impossível. Ratinho não tem disso, nunca teve, nada terá, porque a fortuna – nas duas acepções – nele fala mais forte, nunca precisou do contraponto maquiavélico. Dele disse o pai e dono da fortuna, que se “meu filho quiser um caminhãozinho, eu compro a fábrica”.
Ratinho pai não precisou comprar a fábrica de caminhões. A carreira do ora e futuro governador começou nos caminhões com os baús da felicidade que o pai transportava para Sílvio Santos. Nesta reeleição, os caminhões foram pagos por nós eleitores. Não, Ratinho não roubou, assaltou o Tesouro ou cometeu improbidade para garantir a continuidade de sua fortuna. Nada disso, ele pagou com a moeda política, a dos apoios, coligações, alianças, na sofreguidão de uma unanimidade até sobrenatural – na dúvida, confira seus coligados ao Senado, algo apenas plausível na instantaneidade da prestidigitação eleitoral, a magia que engana os olhos do espectador.
Maquiavel concebeu os atributos dos homens de Estado a partir de César Bórgia, que nasceu com a fortuna de ser filho do papa Alexandre Bórgia, que lhe pavimentou o caminho na Itália do século XVI; a virtude de César vinha de sua ousadia e crueldade. Ratinho é filho de alguém que evoca o papa, daí a fortuna. Mas falta-lhe a virtude nos termos de Maquiavel. Tais atributos sobravam em seu adversário Roberto Requião, que tanto deles abusou que um dia eles o abandonaram. Portanto, fortuna e virtude são deusas nem sempre fiéis, até traiçoeiras, Ratinho que se sirva bem da fortuna, qualquer que seja. Porque a fortuna que tem é mais segura que a virtude que lhe falta.