Fraga

Mesmo que os alarmes não soassem tanto com fugas e rebeliões corriqueiras, a situação dos presídios alarma. Pra deixar o inferno mais infernal, o diabo tem se inspirado nas cadeias do estaduais.

Como chegamos a essa indignidade? Aposto numa tese: a qualidade dos presos decaiu muito. Não tem ninguém digno atrás das grades. Lá dentro está lotado de gente insensível, sem modos, uns brutamontes. Capazes de tudo naquele ambiente de matar ou morrer. A solução que agora se discute, de ampliar as penitenciárias, será paliativa – por mais espaçosas, confortáveis e bem decoradas que fiquem. É só pra caber mais do mesmo. Em pouco tempo a depredação material e a deterioração moral tomam conta das “novas e melhores” condições.

Na minha desinteressada opinião, a verdadeira reforma nos presídios tem que ser ousada: qualificar o quadro de presos. Chega de dar preferência a gente pobre e analfabetos, ladrões de ocasião e assaltantes contumazes, assassinos passionais e traficantes menores. Assim o nível das cadeias jamais subirá! Esses ambientes precisam receber criminosos melhores, que sirvam de exemplo aos criminosos piores.

Uma boa medida inicial seria encher as cadeias dos autores de crimes do colarinho branco. Um simples detalhe de vestuário já mudaria a feição da multidão, tão mal vestida e rota.

Esses profissionais do ganho escuso têm requisitos para influir no cotidiano prisional: são educados, estudaram, têm classe e postura, sabem se comportar diante das autoridades, não gritam nem apelam à força bruta. Aos poucos, com boas maneiras, refinamento de linguagem e visão ampla do mundo do crime sofisticado, influenciariam os demais presos. Discípulos de suas bem-sucedidas carreiras.

Pensem em milhares de assassinos, estupradores, assaltantes e seqüestradores largando seus hábitos grosseiros e métodos violentos para se dedicar à corrupção, às fraudes, aos escândalos financeiros! Tudo isso são ações criminosas, sim, mas sempre pacíficas e ordeiras, que apenas escandalizam, não causam horror e morte às vítimas.

O convívio interno melhoraria muito: ninguém mata com uma falsificação na goela de outro encarcerado, ninguém enforca um colega com um fio de argumento golpista. Como os colarinhos brancos só utilizam celulares de última geração, dirigiriam seus comparsas de dentro das prisões, com alcance até Brasília (sem a interrupção do fluxo de capital que tanto promove a riqueza nacional). Por tabela, os comandos do tráfico ficariam enfraquecidos pela nova liderança e perderiam a capacidade de mobilizar asseclas cá fora. Haveria menos ameaças à sociedade.

Essa nova população carcerária beneficiaria ainda a profissão advocatícia. Afinal, com mais gente importante trancafiada, mais hábeas corpus para todos nesse entra-e-sai, e a conseqüente elevação dos honorários.

Outros respeitáveis personagens, por mais modestos e discretos que sejam em sua atuação ilegal, poderiam contribuir com sua boa conduta entre muros correcionais para a qualificação em cadeia: sonegadores fiscais, atravessadores e intermediários inescrupulosos, juízes e autoridades e políticos e administradores públicos comprovadamente corruptos. Enfim, toda uma elite que engrandeceria a imagem das penitenciárias. Como agem por todo o país, o abastecimento está garantido. Por extensão, as melhorias nas penitenciárias atingiriam, além das dependências bem conservadas, com infra-estrutura hoteleira, a harmonia da vida ilícita dentro da lei e a eliminação dos choques com a vigilância através de subornos com cartão de crédito! Pena que não levam humoristas a sério.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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