O último dos Moicanos. Não tive e nem tenho pena dele. Bem sei, estou desdenhando de quem, por mais de meio século, se não me deu alegrias e prazeres ao menos foi fiel companheiro, na ausência de um violão ou piano de cauda.
Pobre maço de “Marlboro”. Daqueles vermelhinhos. Sempre odiei os “light”. Tudo que é “light” sempre mereceu meu desprezo. Desde a “Light and Company”, que nos dava a luz e os bondes do Rio que se foi. A “Light”. Era o inimigo. Capitalistas e, além do mais, canadenses.
A sopa acabou. Os cigarros também acabaram para mim. Como acabaram as marcas “Yolanda”, “Liberty Ovais” e “Douradinho Extra”. Parei de fumar na marra. Vinha de um bruto resfriado, que mais tarde soube ser pneumonia dupla, não sentia gosto em nada. Deixei os cigarros para depois. Melhorzinho de saúde, olhei para um maço que ficou aberto na gaveta. Nada de mais complicado aconteceu a não ser a decisão – que nem decisão chegou a ser – de que passara o tempo dos cigarros. Como passaram a “Light”, o Rian e 174 amigos de infância.
Chegara o dia e soara a hora. Foram-se assim os mais de 50 anos em que traguei fundo e investi uma pequena fortuna investida enfisema bestíssimo. Serei original: não mentirei. Em primeiro lugar, não ouvi clarins ou coro celestial. Nem mesmo uma voz profunda vinda das alturas me anunciou que era hora de parar. Como se estivesse me mandando construir uma arca.
Em segundo lugar, não pensei mais em cigarro a partir desse dia, o 21 de novembro de 2001. Meu benévolo 21/11. Também não foram necessários aqueles “band-aids” que compensam o fumo pelo qual o organismo, saudoso, anseia. Nem a goma de mascar com nicotina.
Insisto: não estou me gabando. Fumar veio como se foi. Com a maior naturalidade. Simples como passar desta para melhor. Juro que não sou pessoa de férrea força de vontade. Absolutamente. Tenho apenas, como certos músicos de minha predileção, uma certa noção de “timing”. Só. Uma noção de quando é hora de o quê.
Aqueles dizeres nos maços, recomendação do clínico geral, os amigos orgulhosos que “saíram dessa”, a tossinha matinal, tudo isso perdia de lavagem para o prazer distraído do primeiro cigarrinho do dia ou aqueles dois outros depois do café. Na verdade, no máximo três cigarros diários valem alguma coisa. O resto é pura farofa. (Cigarro farofa? Antes “sesse”) Puro vício. Como qualquer outro, não há explicação. Dizem.
Como dizem o contrário. Com milhares de explicações. Aqui no Reino Unido, o assunto continua a ser estudado. Em recintos onde não é permitido fumar. Evidentemente.
Um exemplo desta semana que passou. Divulgou-se um estudo revelando que o país continua a ter 9 milhões de fumantes. É um bocado. Porém, um dado novo no esquema. Aqueles que mais resistiram em abandonar o “vício nojento” (segundo eles lá; eu não xingo o que e quem andei fazendo) pertencem às classes destituídas. Por quê? É o que se pergunta.
Imagens de dentes podres na embalagem ou de câncer na garganta, que vêm aí, não impressionarão os pobres, literalmente pobres, renitentes. Não precisava gastar dinheiro com estudo ou pesquisa que essa eu explicava. Pobre já manja de horrores que sequer passam pela cabeça de estudiosos esclarecidos. Também não são safados ao ponto de dar desculpa de bêbado: “Ah, eu fumo para esquecer!” Nada. Os pobres fumam porque acham ótimo.
Nunca discutir com alguém vidrado irrazoavelmente numa coisa. Deixa pra lá. Que se entendam com a indústria. “British American Tobacco”, não é esse o nome do bicho papão? Afinal, os pobres têm que continuar a ser pobres e a BAT têm que continuar faturando em cima de alguém.
Se desse um estalo, um troço, melhor dizendo, e todos esses 9 milhões parassem de fumar, como é que seria? Que explicação dar aos acionistas? Tenho certeza que a crise financeira que varre o mundo não melhoraria em uma única guimba de mata-rato. Explicação não falta. Solução, nenhuma. Puff-puff e cóf-cóf feito se faz nos meios menos privilegiados.
Ivan Lessa/Colunista da BBC Brasil.