Crie, primeiro, uma hipótese obscura e de pouco provável verificação por meio de um microscópio. Algo mais ou menos como “todos os triângulos isósceles são monogâmicos”. A partir daí, desenvolva um raciocínio cheio de curvas e ribanceiras até chegar à margem esquerda do Rio Ganges. Em lá chegando, primeiro lance a pedra fundamental de sua filosofia na água. Se fizer cinco sardinhas, conte com bons presságios! Depois, entre na água até a cintura, faça um pedido ao deus de sua predileção e afunde a cabeça. Volte à superfície respingando água e cocô, porém com um sorriso nos lábios. Encha os pulmões de ar, novamente, e tente visualizar um triângulo isóscele se aprontando para ir ao baile de formatura da filha mais velha.
Ele calça os sapatos, veste a calça, a camisa, o paletó e depois põe as meias, a cueca e a camiseta. Não ria. Ele está fornecendo material suficiente para você encher a memória do seu micro com palavras de fino trato e boa educação. E em seguida, proporcionar a nós, simples viventes, todas as regras e todos os caminhos para a mais completa chafurdação nas entranhas da vida. Deve surgir, solidificando todo seu esforço, o corolário para a proposição levantada. Talvez você deduza algo como “logo, os monogâmicos se inclinam 45 graus centígrados para leste”.
A partir daí, estudiosos dos mais afamados centros de pesquisas franceses poderão desenvolver teses de mestrado, doutorado ou de auto-ajuda. Um dos prováveis caminhos será o de provar que, vivendo em um trapézio, o triângulo isóscele pode cair a qualquer momento em tentação e partir para bigamia, poligamia ou polo aquático. Isso, como se sabe, porque o trapézio vive balançando entre o ter ou não ter, ser ou não ser, coçar ou não coçar, trair ou não trair, ovo cozido mole ou duro.
Não se desespere se a comunidade científica não cair de joelhos imediatamente aos pés da tua filosofia. Bonitrates Torvo esperou cem anos depois de morrer para ter reconhecida sua brilhante sacada “de dia, todos os gatos são da cor que são”. Cujo corolário “logo, gatos e cores devem ser parentes próximos” sacudiu as bases da filosofia desde Sócrates até Rivelino. Infelizmente, ele não pode ir a Budapeste e nem comparecer à cerimônia de entrega do diploma a que fez jus. Seu passaporte estava vencido e a lavanderia não entregou o terno a tempo. Ele teve que se contentar com a transitoriedade do seu adiantado estado de putrefação para o de celebridade em pó. Mãos à obra e pé na estrada. A cabeça, deixe em casa.
*Rui Werneck de Capistrano é filósofo de esquina