Os indicadores da economia são considerados positivos. Pessoalmente, suspeito de que o preço dos alimentos tenha um pequeno papel, sobretudo na população de baixa renda. Há alguns meses que chamo a atenção para o enlace de dois fenômenos: o El Niño e o aquecimento global. Eles devem ter sido responsáveis pelo aumento do preço de hortigranjeiros e de frutas. Posso constatar isso na feira semanal: a compra que me custava R$ 90 no ano passado custa, agora, R$ 140. Ouço muitas vezes reclamações sobre os preços, sobretudo o da banana.
Apesar dessa constatação empírica, os números não autorizam supervalorizar o aumento do preço dos alimentos. Com tudo o que aconteceu este ano, a inflação de fevereiro, de 0,83%, é praticamente igual à de fevereiro do ano passado (0,84%).
Se o preço dos alimentos tem um discreto papel nesta história, o que mais pode ser anotado em minha experiência empírica?
Ouço muitos lamentos sobre tiroteios e crimes nas áreas mais pobres do Rio de Janeiro, conflagradas pela guerra de traficantes, milicianos e, às vezes, truculentas intervenções policiais. As pessoas clamam por segurança pública, sobretudo na cidade onde moro, e nem todas sabem que é uma atribuição do Estado. Para elas, todos os governos são responsáveis.
Graças a um amigo, tenho a sorte de receber jornais de muitos lugares do mundo. Não vejo governos com grande popularidade. A exceção é El Salvador, onde cresce o prestígio de Nayib Bukele, por causa de uma política de segurança que encarcera grande parte do pequeno país e não reconhece direitos humanos.
Muitos observadores falam da política externa como fator de desgaste. Mencionam a frase de Lula associando a guerra em Gaza a Hitler; e outros ressaltam seu apoio a Nicolás Maduro, na Venezuela.
Também de uma forma empírica, registro que são muito raras as observações sobre política externa nas ruas. No caso de Israel, há uma posição clara a seu favor entre os evangélicos brasileiros e norte-americanos. Isso se deve a uma visão profética que prevê a volta de Cristo e o combate final entre as forças do bem e do mal ali, em Israel.
Neste quadro, dificilmente não haverá desgaste entre eles, mesmo se o governo se limitar à crítica da força desproporcional da resposta israelense ao ataque do Hamas, mesmo se afirmar apenas que não aceita a morte de mulheres e crianças. Aliás, algo que está inscrito na nossa política internacional, pois firmamos a declaração de Dublin sobre a proteção de civis inocentes durante a guerra.
Desde o lançamento do livro de Guy Debord A Sociedade do Espetáculo existe um consenso de que a visão que o público tem de um governo é mais uma impressão do que uma análise minuciosa de seus feitos. No século passado, essa impressão era transmitida pelos jornais, rádio e televisão. Agora, grande parte dessa tarefa se concentra nas redes sociais.
Essa nova situação obrigaria a um estudo detalhado das redes para tentar explicar o que não está muito claro nas pesquisas. Nem tudo o que repercute na imprensa tradicional repercute na rede, e vice-versa.
Será necessário um exame específico para avançar com mais precisão na análise. Algo parece certo: aumentou a sensação de um país polarizado.
Isso faz com que a comunicação pelas redes sociais ganhe mais força. Sou testemunha desse processo. Comentários pela tevê e artigos de jornal às vezes repercutem. Mas nada circula mais do que rápidas intervenções na rede. Sobretudo as que se distanciam da visão convencional.
O fato de o Brasil ainda estar com um alto nível de polarização é negativo para o governo. Afinal, os vencedores têm mais poder de distensionar.
Pela experiência empírica também, as análises que questionam o poder circulam mais rápido e intensamente, sobretudo entre eleitores que se alinham à direita. E, mais ainda, o conceito de governo para muita gente não separa quem executa de quem julga ou legisla. Para elas, governo são todos eles, presidente, STF e Congresso.
Dentro dessas especulações, acredito que a impressão do governo será dominantemente construída nas redes, e, como há supremacia de oposição, a transformação desse quadro depende, claro, da vida cotidiana, mas muito também da luta no mundo virtual.
Os meios de comunicação tradicionais, que gastam dinheiro para apurar e confirmar as informações, continuam sendo a principal fonte de temas de debate. Mas existe uma forte tendência a descrevê-los como se fossem um só bloco com este governo ampliado, uma desconfiança que se estende também à academia e à ciência.
Enfim, mesmo que se entenda bem o mecanismo, será complicado transformá-lo. Confesso que não tenho a fórmula, embora tenha escrito artigos e feito comentários indicando, modestamente, algumas atitudes que só fazem radicalizar a polarização. A grande tarefa é reduzir o abismo de hostilidade e desconfiança, encontrar, ainda que muito estreita, toda a faixa de uma experiência comum.