Rogério Distéfano – O Insulto Diário
SÃO 6:30 da manhã, percorro o noticiário, interrompo a leitura para uma ducha gelada: estou acordado? sonho ser cidadão escandinavo? Não, não era sonho, mas o pesadelo diário, em estado de vigilia, na realidade brasileira. O que me causava impressão vinha do julgamento do STF sobre uma aspecto das disputas de gênero: a mudança do nome no registro civil sem a mudança de sexo. Ou sem intervenção cirúrgica e hormonal, nas palavras precatadas do ministro Edson Fachin.
Nada contra, tudo a favor, quem está desconfortável – disse o ministro Luiz Barroso – com o gênero, tem mais é que mudar. Aliás, o STF deveria garantir isso não só para quem está desconfortável no sexo, mas para qualquer um que esteja desconfortável em qualquer situação. Com os ministros do STF, para começar. Os ministros diriam que a Constituição ‘assegura’ (a brava gente da lei adora o verbo ‘assegurar’) uma ‘ampla gama de liberdades’ para toda e qualquer mudança. ‘Nos limites da lei’, claro.
Não é exato assim, nem é totalmente assim. Por exemplo. 1. Para mudar o nome do gênero bastará ir ao registro civil e dizer, nem precisa provar, que está desconfortável. 2. Eu cheguei a esta altura da vida desconfortável com o meu nome, que todo mundo confunde com ‘Sérgio’; se quiser mudar tenho que convencer o juiz de meu desconforto. Nenhum juiz aceitará minha palavra de desconforto. Ao contrário, diria que se pudesse mudaria o dele para ‘Rogério’. Ainda que se chame ‘Sérgio’.
O julgamento do STF foi só emoção, os ministros babando de solidariedade de gênero. Queria poder transcrever os bolodórios da toga e da beca, mas não haveria vantagem, eles falam assim até em casa. Tive um colega, hoje milionário com indenização do Estado, que no primeiro dia de advogado recebeu no escritório a cliente que queria cobrar cheque sem fundos. Ele pergunta: “Como a senhora houve o cheque”. A cliente pulou fora, pensou que aquele advogado pirado ouvia cheques.
Senti que os ministros do STF têm problemas de gênero, tamanha a generosidade de suas opiniões. Mas continuo perplexo: o que esses magníficos magistrados têm a favor do gênero corrupto e do gênero distorção do auxílio-moradia que não se esbaldam daquele jeito para conciliar a lei com as aspirações da sociedade. Ainda liberam o auxílio-moradia para que os juízes mudem o nome: auxílio-indenizatório. Nem precisa. Quanto aos corruptos, igual: eles se chamam honestos.