Ruy Castro – Folha de São Paulo
Em entrevistas recentes com Kirk Douglas, que completa 100 anos nesta sexta (9), jovens repórteres lhe perguntaram como tinha sido trabalhar com Stanley Kubrick em dois filmes: “Glória Feita de Sangue” (1957) e “Spartacus” (1960). A curiosidade era natural — afinal, Kubrick (1928-1999) foi um dos diretores mais poderosos do cinema. Era o autor total de seus filmes, levava o tempo que quisesse para rodá-los e fazia dos atores quase seus escravos. Quanto a Kirk, era um nome, mas do passado — para esses repórteres, devia ter passado o diabo com Kubrick.
Mas não, era o contrário. Kirk foi um dos primeiros superastros dos anos 50 a se tornar produtor independente, dono do próprio nariz. Com isso, vários de seus filmes naquele período — “Vikings, os Conquistadores” (1958), “O Nono Mandamento” (1960), “Sua Última Façanha” (1962), “Sete Dias de Maio” (1964) e o próprio “Spartacus” — eram só dele. Diretor, elenco e técnicos eram seus empregados, dependiam de seus cheques — inclusive Kubrick, quando trabalharam juntos.
Kirk assistira a “O Grande Golpe” (1956), um filme modesto, mas com uma linguagem original e vibrante, e quis conhecer seu diretor: Stanley Kubrick, 27 anos. Este lhe falou de “Glória Feita de Sangue”. Kirk aceitou coproduzir e fazer o primeiro papel. Os dois se deram bem e o filme foi um sucesso de crítica. Dois anos depois, ao produzir “Spartacus”, Kirk brigou com o diretor Anthony Mann e o demitiu. Para seu lugar, chamou Kubrick, que, por sua vez, acabara de ser demitido de “A Face Oculta” por seu astro e também produtor Marlon Brando.
“Spartacus” era um filme milionário, o que assustava Kubrick, e tinha monstros como Laurence Olivier, Charles Laughton e Peter Ustinov no elenco. Foi Kirk quem salvou Stanley de ser esmagado por eles.
Grande homem, Kirk Douglas.