Maria Bethânia durante entrevista em sua gravadora, a Biscoito Fino, no Rio de Janeiro. Foto Ricardo Borges|Folha Press
Na noite do dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) avalia a legalidade da publicação de biografias não autorizadas no Brasil, a cantora Maria Bethânia, 68, subirá ao palco do Teatro Municipal do Rio para ser homenageada por seus 50 anos de carreira no Prêmio da Música Brasileira.
É uma trajetória que, segundo a artista, poderia ser contada sem restrições. “Não autorizei ninguém a escrever minha biografia. Não tenho nada com isso. Cada um escreve o que quer. Eu sei o que sou”, disse à Folha.
Intérprete da música tema do casal de lésbicas, interpretadas por Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg na novela “Babilônia”, da TV Globo, Bethânia afirma não se surpreender com a presença de uma corrente conservadora no Brasil.
“O Brasil oscila. Dá sinais de uma modernidade, de uma natureza que é real, nossa. De repente, recua quilômetros e dá uma topada feia. Temos essa coisa muito extremada, muito perdida ainda. É um pouco infantil.” A seguir, leia os principais trechos da entrevista à Folha.
Folha – Um professor universitário está escrevendo sua biografia?
Maria Bethânia – Não autorizei ninguém a escrever minha biografia. [pausa] Mas quem quiser escrever, pode escrever o que quiser.
Se fosse sem seu aval, você se incomodaria?
Eu não. Não tenho nada com isso. Cada um escreve o que quer. Eu sei o que sou.
O que achou do boicote à novela “Babilônia”?
O Brasil oscila. Dá sinais de uma modernidade, de uma natureza que é real, nossa. É o Brasil de dentro. As pessoas são lindas, encantadoras. E de repente recua quilômetros e dá uma topada feia. Sai do paraíso para o inferno, do inferno para o paraíso em tudo: política, religião, amor, preconceito. Temos essa coisa muito extremada, muito perdida ainda. Acho que é um pouco infantil. Somos curumins.
Sua apresentação no Prêmio da Música Brasileira inclui “Carcará”, no espetáculo em que iniciou sua carreira profissional, aos 17 anos…
É interessante rever minha gravação no show “Opinião” porque eu não me mexo. Cantava estática. Hoje sou de gestos, de andar, de dramatizar. Aquilo era muito teatro, mas era muito contido. Gostei de ver aquela menina. Parecia uma grega cantando uma ode firme. Gosto muito dessa interpretação.
O que ainda te deixa nervosa?
Antes de entrar em cena, é sempre uma situação entre o prazer e o pavor. Aí entro, e ali é meu lugar. Depois demoro muito para dormir. Artista tem que viver assim, estressado, ansioso, animado, triste, alegre. Como adoro, fico nervosa para fazer bem.
Você tem lido muito Clarice Lispector nos seus shows. O que te atrai na obra dela?
Clarice veio forte nos 50 anos. Fiquei surpresa, achei que ia ser mais misturado de autor. Mas quando vi, era ela. Fico muito impressionada com a particularidade, a esquisitice, a franqueza. Esquisitice no melhor sentido. Ela e Fernando Pessoa são autores que se expõem.
Como é chegar aos 50 anos de carreira?
Nunca pensei no dia em que faria 50 anos de carreira. Mas quando vi concretizado, ficou forte, gostei. Gostei de ter conseguido, num país de grandes cantoras, acertar com um jeito meu, que me expressa. Não termina aqui. É para andar.
O que acha de ser tema do enredo da Mangueira?
Me comove demais. Sou mangueirense desde que cheguei ao Rio. Nem sabia o que era escola de samba quando me levaram para ver o desfile. Vi a Mangueira e falei, ‘quero isso para mim’. A Mangueira já homenageou “Doces Bárbaros”. Fez o enredo que não foi nada bem de pontuação. Quando me procuraram, falei, ‘vocês fizeram os baianos e não foi muito bem’. Me coloquei à disposição. É uma coisa muito grande para mim.
Luiza Franco – UOL