Ruy Castro sempre foi um excelente jornalista. Prova é que foi um dos primeiros a escrever sobre histórias em quadrinhos na imprensa brasileira (Correio da Manhã), ao lado de Sérgio Augusto (do Jornal do Brasil). Além disso, adora cinema, assiste a no mínimo um filme por dia (sempre produções anteriores a 1970), coleciona discos de vinil e tem estantes repletas de livros. Não tem e não usa telefone celular e muito menos “twitter” e “facebook”. Enfrentou o venceu um câncer, um enfarte e uma encefalite cerebral. Deixou de fumar desde 2005 e há 28 anos abandonou a droga e o álcool, trocando duas garrafas de vodca diárias por uma empadinha e três bolas de sorvete.
Além de jornalista, Ruy é um notável biógrafo. Depois de Nelson Rodrigues, biografou o craque do Botafogo e da Seleção Brasileira Garrincha e a cantora Carmen Miranda. Em seguida, contou a história da bossa-nova (“Chega de Saudade”) e do bairro de Ipanema, no Rio (“Ela é Carioca”). No momento, integra a lista dos livros mais vendidos com “A Noite do Meu Bem”, um precioso relato do samba-canção, das boates, dos personagens, das histórias e das tragédias que fizeram a noite do Rio de Janeiro nas décadas de 40/60.
Na semana passada, porém, Ruy Castro levou um susto. Leu a declaração de um cartola do PT de que “Lula mora no coração do povo brasileiro”. E, como brasileiro em dia com as obrigações e portador de um coração de dimensões regulares, inclusive já testado com um enfarte, e, portanto, tecnicamente apto a hospedar o ex-presidente, Ruy gelou. Mais ainda: ficou apavorado com a ideia de ter meganhas entrando e saindo de seu coração, vasculhando cômodos, armários e até debaixo da cama para proteger o chefe.
O susto e o apavoramento de Ruy são justificáveis. Ele próprio os explicou, com a costumeira competência, na coluna que mantém na Folha de S. Paulo, depois de afirmar que “Lula é um hóspede folgado”:
“Apossa-se dos apartamentos e sítios a que o convidam como se fosse dele. Promove reformas como derrubar paredes, mudar escadas de lugar e instalar elevadores internos, vide o famoso triplex que não lhe pertence no Guarujá – imagine se pertencesse. Com seu à vontade em relação à propriedade alheia, temo que, uma vez hospedado no meu coração, logo iria querer alterar o curso de minhas veias e artérias, como tentou fazer com o rio São Francisco”.
Ruy acha que seu coração não comportaria a turma que anda com Luiz Inácio:
“Lula começaria a receber seus amigos empreiteiros, pecuaristas e doleiros, os quais iriam se meter por meus átrios e ventrículos, e sabe-se lá para onde o meu sangue passaria a ser bombeado”. E prossegue: “Sem falar em sua mulher, dona Marisa – com suas prerrogativas de ex-primeira dama, mandaria trocar meus velhos fogões por luxuosos micro-ondas e atracaria uma canoa em meu sistema vascular”.
Ruy Castro tem toda a razão. A família Lula da Silva não é apenas folgada – que aqui Roberto José da Silva
chamamos de confiada –, como extremamente atrevida. Vai chegando e tomando conta do pedaço. Repetiu a dose do triplex de Guarujá no sítio de Atibaia, a poucos quilômetros da capital paulista – aquele que também não lhe pertence mas onde ela foi 111 vezes nos últimos meses. Não gostou do estado mambembe em que se encontrava a propriedade dos sócios do filho mais velho e determinou imediatas mudanças: reconstruiu a casa principal, mandou construir uma segunda, uma nova churrasqueira e um campo de futebol, além de transformar uma aguada em um lago, com ponte pênsil e tudo mais. Também reequipou a cozinha inteira com marca de grife. E isso em um espaço que não lhe pertence e que foi cedido tão-somente para os seus dias de descanso. Como retribuição, a ex-primeira dama mandou entregar lá um barquinho de R$ 4 mil.
Estou com o Ruy Castro. Como no coração dele, no meu também não há vagas. Sobretudo para inquilinos que não sabem diferenciar o que é seu do que é dos outros.