Confesso que me impressiona o rastro de inquéritos e processos que Trump e Bolsonaro deixam na esteira de sua saída. Desvio de documentos secretos, joias, tentativa de fraudar eleições, hackers, misoginia, falsos atestados de vacina — acontece de tudo quando baixa a poeira, e se dá o balanço dos dois governos.
Confesso também que me sinto aprisionado a esse entulho processual. Gostaria de falar de outras coisas. Por isso simplificarei um pouco minha descrição do governo Bolsonaro. Possivelmente, ele caiu, como caem os aviões, por múltiplas causas. Mas, no meu entender, foi atropelado pela pandemia.
Bolsonaro se recusou a reconhecer o acontecimento mais importante do século. Apesar de ter contribuído para o alto índice de mortes, de certa forma, foi destruído pelo vírus. A pandemia teve peso importante na derrota eleitoral de Bolsonaro. E teve peso importante na sua desgraça pós-eleitoral. A falsificação de atestados de vacina levou seu ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, à prisão. Com ele, caíram os telefones celulares e alguns importantes segredos.
Não avançarei nessa novela. Supersimplifico para poder ir adiante, fazer novas perguntas, livrar-me um pouco da tirania dos fatos cotidianos. Uma pergunta meio ingênua que me faço há dias: por que a Índia, e não o Brasil, chegou à Lua? Há razões históricas interessantes. Suponho que conhecê-las talvez nos ajude.
Em quase todos os livros sobre a Índia, o papel estratégico de um estadista como Nehru vem à tona. No início da década de 1950, ele criou os sete primeiros institutos de tecnologia. A atmosfera econômica da Índia era fechada, e os técnicos mais competentes foram para o exterior. Com a abertura econômica da década de 1990, muitos voltaram, e, a partir daí, o país construiu um dos mais imponentes setores de tecnologia da informação (TI) do mundo.
Perdemos esse bonde. Os astros da TI na Índia contribuem não só com a conquista espacial a preços módicos (a viagem à Lua custou muito menos que outros países gastaram). Contribuíram também para a identidade única, um sistema digital que permitiu à Índia economizar milhões de dólares em sua política social. A ajuda a bilhões de indianos, por ineficácia do sistema analógico, representava uma incrível fonte de desperdício. Como aconteceu por aqui no período do auxílio emergencial.
Para que esse gigantesco sistema fosse construído, o governo se moveu. Havia uma comissão especial destinada a desenvolver o conhecimento. Foi ela que recrutou Nandan Nilekani, homem que comandou a tarefa e mais tarde escreveu o livro “Imaginando a Índia, a ideia de uma nação renovada”.
Quando Bolsonaro assumiu o governo no Brasil, isso já estava concluído, e a Índia já havia conquistado novos horizontes, como a inclusão maciça do povo no sistema bancário. Só no primeiro dia do projeto, foram abertas 15 milhões de contas. Está no Guinness World Records de 2015.
Às vezes, sou tentado a concluir que o processo político também foi atingido por nossa fragilidade educacional. Em pleno século XXI, Bolsonaro fez campanha contra as vacinas.
Mas é bom evitar as conclusões fáceis. Os Estados Unidos foram à Lua antes de todo o mundo. Elegeram Trump e podem elegê-lo de novo. É preciso pesquisar mais. O avanço tecnológico tomado isoladamente não pode ser o parâmetro único. Aliás, muitos dos problemas que vivemos são fruto de um culto religioso à tecnologia.
Mas isso é outra conversa.
Ir à Lua é uma extraordinária aventura do conhecimento. Nossa tarefa é avaliar todos os caminhos e escolher aquele que combine avanço tecnológico, político e moral integrados. Mas, aqui nos trópicos, estamos tão perdidos na fumaça cotidiana.