Cada lado acha que só a sua, digamos, proposta para o Brasil está certa
No Brasil do passado, havia o partido da situação e o partido da oposição, e seus adeptos eram chamados de simpatizantes. Veja bem, simpatizantes —e não antipatizantes, embora, às vezes, alguns demonstrassem mais aversão ao partido adversário do que afinidade com o seu próprio. Mas, tendo crescido entre partidários do PSD (o partido do governo, das raposas mineiras e dos proprietários rurais) e da UDN (o da oposição, dos “homens de bem” e da classe média urbana), posso garantir que eles viviam em razoável harmonia. Seus líderes se xingavam nos comícios, mas a briga raramente descia do palanque.
De uns tempos para cá, não há mais adversários. Há inimigos, e um quer exterminar o outro. Cada lado se arroga a falar em nome do Brasil, como se só a sua, digamos, proposta estivesse certa. Nesse sentido, os dois lados estão cada vez mais parecidos.
Um deles, o atualmente no poder, tem conseguido juntar todos os seus críticos num vasto aglomerado de esquerdistas-comunistas-marxistas, incluindo políticos, ministros de STF, ecologistas, professores, vários jornalistas, a Folha e a TV Globo. Não muito diferente do que esteve por longo tempo no poder, para quem seus críticos compunham um, idem, aglomerado de coxinhas-golpistas-fascistas, incluindo políticos, empresários, a Lava Jato, o Ministério Público, a Polícia Federal, praticamente os mesmos jornalistas, a Folha e a TV Globo.
Uma amiga minha, de esquerda, acredita que a facada em Bolsonaro foi mesmo armação, com a participação do povo de Juiz de Fora, dos cirurgiões do Albert Einstein e do exército israelense. Outra, de direita, acredita até hoje na lenda do kit gay e da mamadeira de piroca e está convicta de que não houve ditadura militar.
As duas não se conhecem. Estou pensando em apresentá-las. Se não se matarem, arriscam-se a se tornarem amigas de infância —que é a idade mental política de ambas.