Elio Gaspari – Folha de São Paulo
Na sexta-feira, 3 de maio, Lula e o juiz Sergio Moro terão seu primeiro encontro. “Nosso Guia” (título que lhe foi conferido pelo então chanceler Celso Amorim) será interrogado na condição de réu, acusado de ter recebido dois mimos da empreiteira OAS. Um foi a “entrega” de um apartamento reformado em Guarujá. Outro, o custeio do armazenamento de bens de sua propriedade. Tudo somado, o Ministério Público acusa Lula de ter sido beneficiado com cerca de R$ 3,7 milhões (nada a ver com o “Amigo” do caderninho da Odebrecht).
Ele nega ter recebido esses favores e diz que está “ansioso” por esse depoimento, “porque é a primeira oportunidade que eu vou ter de poder saber qual é a prova que eles têm contra mim.”
Há um mês, Lula depôs espetacularmente na 10ª Vara Federal de Brasília, no processo que investiga a tentativa de compra do silêncio de um ex-diretor da Petrobras. Transformou a audiência de 50 minutos num comício. O juiz ajudou-o com perguntas genéricas e ele passou nove minutos falando bem de si e de seu governo. Intitulou-se “o mais importante presidente da história deste país”, fundador do “partido que fez a maior política de combate à corrupção da história deste país”. Quando foi convidado a falar “um pouquinho” do Instituto Lula, fechou o depoimento com uma catilinária de 12 minutos, durante os quais contou uma piada velha (a do sujeito que discursa quando a luz da geladeira se acende) e deu pelo menos 15 tapas e socos na mesa.
Disse duas vezes que não nomeou diretores para a Petrobras, pois essa é uma tarefa do conselho de administração da empresa. Fica combinado assim.
O PT está convocando suas bases para uma manifestação em Curitiba na hora do depoimento de Lula. Numa trapaça do tempo, no dia 3 de maio completam-se 50 anos da apresentação do filme “Terra em Transe,” de Glauber Rocha no festival de Cannes. (A obra do cineasta baiano só fora liberada porque seria apresentada na mostra.) Milhares de pessoas na rua, Lula num palanque como réu e o juiz Moro com sua camisa preta seriam cenas à espera de um Glauber.
Lula já maltratou Moro, mas ultimamente vem alisando seu pelo. A boa etiqueta judicial determina que todas as perguntas e respostas de um interrogatório tenham relação com o processo, mas um réu como Lula pode argumentar que sua fala faz parte da estratégia da defesa.
Daí a contar que passou quatro dias na fazenda de seu amigo José Carlos Bumlai sem conseguir pescar um só peixe vai distância enorme. Moro e os advogados de defesa de Lula já tiveram grandes bate-bocas, sempre com um lado querendo calar o outro.
O juiz tem autoridade para cortar a palavra ou corrigir a conduta do depoente. Num episódio inesquecível ocorrido no século passado, o magistrado José Frederico Marques cortou o cigarro do governador Adhemar de Barros: “Réu não fuma”. E Adhemar não fumou.
Moro poderá embargar a divulgação do vídeo por algumas horas. Terá mais trabalho se quiser impedir a gravação de um áudio clandestino. Nesse caso, não poderá reclamar caso ele vá ao ar, pois foi um mestre na divulgação imprópria de um telefonema de Dilma Rousseff a Lula.
O suspense do espetáculo de Curitiba dependerá do equilíbrio entre a vontade de Lula de falar e a de Moro de ouvir.
Pela primeira vez desde o início da Lava Jato, Lula poderá sequestrar o espetáculo.