Bico longo e voo curto

O PSDB, que nasceu de uma costela do PMDB, em grande medida pelo comportamento dúbio do partido chefiado por Ulysses Guimarães na Assembleia Nacional Constituinte (ANC), em 1988, quando por geração espontânea apareceu o mostrengo que atendida pelo malfadado nome de Centrão, parece estar entoando por esses dias um tristonho canto de cisne. Ou de tucano, se me faço entender.

A nota digna de ser rememorada é que à época do surgimento do PSDB, nele assinaram o ingresso as figuras mais expressivas do PMDB, ao qual o senador Fernando Henrique Cardoso haveria de colar a mais perfeita e apropriada das definições – “o partido ônibus” – tal a composição fisiológica e oportunista majoritária dentre seus componentes.

Nomes importantes da política brasileira no final dos anos 80 do século passado, como o já citado FHC, Mário Covas, Franco Montoro, José Serra, José Richa e tantos outros migraram para a nova sigla, que em gesto altruísta passou a exaltar o primado da social democracia como doutrina política capaz de dar ao país uma sólida âncora para firmar seu caminho para a plena democracia.

É curioso notar que ao final de 30 anos, o Partido dos Trabalhadores, fundado pelo metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva e um grupo de intelectuais, com a adesão de expressivas lideranças sindicais da época, e que fez seu trajeto político praticamente ao lado dos tucanos, também amarga um ocaso que o transformou num desajeitado rabisco do partido que empolgou as massas, a ponto de eleger o presidente da República em quatro eleições sucessivas – Lula e Dilma – num feito inédito na história da República.

Diga-se a bem da verdade que o PT superou o PSDB que somente conseguiu eleger e reeleger FHC, e depois viu-se alijado do exercício do poder por longos 13 anos, até o impeachment de Dilma Rousseff e a posse do vice-presidente Michel Temer, quando finalmente chegou a vez de um quadro do PMDB ocupar a principal cadeira do Planalto.

Algo que jamais acontecera antes, mesmo porque desde a frustrada candidatura presidencial de Ulysses, a meta principal do partido e o aspecto mais relevante de sua atuação, a presidência da República, acabaram se restringindo à indicação do candidato a vice-presidente, a deputada Rita Camata na chapa perdedora de José Serra e anos mais tarde, o também deputado Michel Temer como vice na chapa vitoriosa de Dilma.

Pela via indireta da cassação do desastroso segundo mandato de Dilma Rousseff – que muitos continuam chamando de golpe – o PMDB chegou ao poder supremo da República, refazendo a duras penas a aliança partidária congressual indispensável para a arregimentação dos votos necessários à aprovação de projetos de interesse do governo.

Atualmente, a precariedade dessa sustentação é tamanha que o governo não mais consegue aglutinar, especialmente na Câmara dos Deputados, o número suficiente de parlamentares para aprovar, por exemplo, a mais que necessária Reforma da Previdência.

Observa-se uma escandalosa disputa pela distribuição das verbas aprovadas em emendas, a nomeação de ministros engendrados pela fisiologia ou altos cargos em empresas estatais, além de outras benesses. Aliás, um atestado da longa vida daquele mesmo Centrão que pontificou durante a Assembleia Nacional Constituinte, cada vez mais desavergonhado e explícito na reza da oração de São Francisco: “É dando que se recebe”.

Justamente constrangido por uma situação que considera o oposto da postura que sempre defendida, mas sem esconder a gravíssima fratura que assola sua estrutura diretiva, o PSDB está em processo de desligamento da base política do governo Michel Temer.

A data, dizem, é o dia 9 de dezembro próximo, quando o partido realiza uma convenção que indicará o governador paulista Geraldo Alckmin para a presidência nacional da legenda. O senador Tasso Jereissati e o governador Marconi Perillo (Goiás), que estavam na disputa abandonaram a pretensão e, segundo a imprensa, acataram a ponderação de FHC em favor de Alckmin.

Esse é também o indicativo de que o governador de São Paulo é o candidato preferencial do tucanato à presidência da República em 2018.

O ministro-chefe da Casa Civil, o peemedebista Eliseu Padilha, já admitiu que o PSDB está fora da base partidária do governo e que os ministros remanescentes devem sair em breve. Contudo, os ministros Aloysio Nunes Ferreira (Relações Exteriores) e Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo) relutam em pular fora do barco. Pelo gosto do governo, a ministra Luislinda Valois (Direitos Humanos) já deveria ter desembarcado há muito tempo.

O editorial do Estado de S. Paulo dessa quinta-feira (30), sob o título apropriado de “O samba do tucano doido” revela que o “PSDB está se esforçando para perder sua razão de existir […] A desorientação é tanta que hoje não é possível saber se seus parlamentares aprovarão a Reforma da Previdência, sobre cuja necessidade imperiosa nenhum tucano deveria ter qualquer dúvida”.

Afinal, um partido absolutamente sem voz de comando, que confirma em plenitude as principais características de seu pássaro símbolo cujo bico é longo e afiado, mas o voo é curto.

Ivan Schmidt

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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