Tempo

Jaguar: a gente vai levando

Rio – Vamos por partes, como dizia o esquartejador. Quando fui preso, em outubro (ou seria setembro?) de 69, trabalhava como chargista no jornal “Última Hora” e era editor de humor do “Pasquim”, cujo primeiro número saiu em 20 de junho do mesmo ano. Eu e quase todos da patota do jornaleco vimos o sol quadrado durante uns três meses. O pretexto da prisão foi uma molecagem que fiz com o quadro (aliás, medíocre) de Pedro Américo, “O Grito da Independência”.

Botei um balum com a frase “Eu Quero é Mocotó!”, onde Dom Pedro teria bradado “Independência ou Morte!”. No dia seguinte à prisão fui demitido pelo dono de UH, o celebrado jornalista Samuel Wainer, que me ficou devendo quatro meses de ordenado. Me ferrei de verde (caqui) e amarelo. O “Pasquim” vendia muito, mas não tinha anúncios, a grana era pouca (além de pessimamente administrada). Fui dar com os costados pra lá de Caxias, num buraco chamado Lote 15. Foi dureza, em todos os sentidos. Não vou entrar em detalhes; se vocês quiserem chorar lágrimas de esguicho, liguem na novela.

Fui anistiado (requeri junto com outros colegas do Sindicato dos Jornalistas) em junho de 99. Nove anos depois, na sexta-feira passada, a Comissão de Anistia (numa inédita reunião na ABI) determinou o valor da indenização, bem inferior a outras anteriormente concedidas. Só espero receber a bolsa-ditadura (direitos autorais de Elio Gaspari) antes de outros tantos nove anos, quando estarei com 85 anos. Sem outra aposentadoria — quase sempre trabalhei sem carteira assinada — e sem plano de saúde, só de doenças (risos).

Hoje (ontem), abri os jornais e fiquei zonzo com tanta porrada que levei dos leitores do Elio e da Míriam Leitão.

Até o que contei para o Chico Gouvêa saiu em destaque na coluna do Joaquim — um cara, me vendo beber uma cerveja, disse: “Gastando por conta, hein?” Estou até meio arrependido de ter sacaneado tanto os generais golpistas. Deveria ter usufruído, como alguns coleguinhas, a bolsa-ditadura durante a ditadura.

2008|O Globo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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