Jerry e Lewis

Ruy Castro – Folha de São Paulo

RIO DE JANEIRO – Jerry Lewis precisou morrer, aos 91 anos, neste domingo (20), para nos lembrarmos de como ele nos proporcionou incomparável riso e prazer. Em poucas horas, a internet foi tomada por seus grandes momentos no cinema, tanto como o desastrado que arrasava os cenários pelos quais passasse quanto como o incrível mímico e dançarino que ele era. Esses trechos isolados, tirados dos filmes, têm uma vantagem. Neles só vemos o adorável Jerry. Somos poupados do ego monumental de Lewis.

Frank Tashlin (1913-1972), seu diretor em oito filmes, a quem ele deveu tanto e quase ausente dos obituários, disse certa vez que trabalhar com Jerry era irritante —ele não decorava falas, não seguia as marcações e não repetia takes. Só que fazia tudo genialmente e de uma vez. Mas, às vezes, essa overdose de prepotência vazava na tela, com Jerry insistindo em ser “profundo” e sendo apenas piegas.

Foi Tashlin quem convenceu Jerry a amenizar o personagem do idiota careteiro e a deixar que o absurdo acontecesse ao redor dele. Para isso, premiou-o com gags tiradas de sua experiência como diretor de desenhos animados. Duas sequências apocalípticas que se atribuem a Jerry —a destruição do shopping em “Errado pra Cachorro” (1964) e a maca que dispara pela cidade em “O Bagunceiro Arrumadinho” (1965) —eram de Tashlin. Assim como os quatro primeiros filmes de Jerry como diretor (“O Mensageiro Trapalhão”, 1960; “O Terror das Mulheres”, 1961; “Mocinho Encrenqueiro”, 1963; e “O Professor Aloprado”, 1964) eram grandes Tashlins sem Tashlin.

O artista Jerry era sublime, mas o homem Lewis, seccionado pelos biógrafos, era egoísta, vingativo, preconceituoso. Ele não era estimado como pessoa –nem seu pai gostava dele. E, segundo esses biógrafos, era só o que ele queria: ser gostado. Sua morte tornará isso possível.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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