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Tenho sempre muito cuidado em classificar alguém como gênio da humanidade. Mas a comoção (incentivada pela mídia) , as inúmeras homenagens e a choradeira em torno da morte de Steve Jobs são talvez a maior demonstração de como a informática – nem tanto ela quanto a disseminação de “aplicativos” e gadgets eletrônicos – fascina milhões e milhões de pessoas. Muitas delas, acriticamente. Não se trata de negar o brilhantismo do criador de ipods, iphones e assemelhados. Não tenho conhecimento para debater tecnicamente o assunto, nem pretendo.
Trata-se, isto sim, de discutir o formato com que ele embalou suas invenções. Sempre tratando tudo como produtos a serem vendidos um a um, e periodicamente lançando um novo, com mais um detalhe, na lógica da acumulação e da maximização de lucros. Um sonhador – um “idealista”, conforme li por aí – que queria ganhar cada vez mais dinheiro.
Aliás, nesse sentido pode-se dizer que Jobs foi um gênio – um gênio do marketing e do design aplicado ao consumo, talvez mais do que da própria tecnologia. Volta e meia lançava um produto com um item a mais, para obrigar os “consumidores” (termos como povo ou cidadãos já quase nada valem) a adquirir o mais recente brinquedinho eletrônico, com alguma nova função. Poderia ter largado menos aparelhos com mais utilidades (até porque, dizem, já havia tecnologia desenvolvida para tanto) e que durassem mais tempo.
Obsolescência programada
E assim vamos, num esquema em que se troca de celular no mínimo a cada ano, como as demais bugigangas higtech. Tal como seu par “careta” Bill Gates, Steve Jobs foi um neo incentivador da sociedade do excesso. Um aplicado renovador da obsolescência programada, estratégia criada na década de 20 pela GM, que ministra uma dose periódica de insatisfação nos compradores, atraídos irresistivelmente pela mera renovação anual de modelos e acessórios de seus produtos.
Um profeta, o Jobs, do consumismo, esse mal que além de agravar os problemas ambientais que o mundo atravessa, faz com que tanta gente se afunde em todo o tipo de dívidas (nem falo em dúvidas) para manter o status, para ficar na moda, para… enfim, nem eles sabem direito por que.
Jobs se dizia budista e de mente aberta. Mas era o tipo de criador “focado” especificamente na tecnologia a serviço da diversão e entretenimento, ao que parece sem qualquer visão social ou ambiental, sempre mantendo distância significativa de iniciativas de compartilhamento, como o linux. Um self-made man do neoliberalismo triunfante, dono de ideias que imediatamente viravam fortunas.
Eu escrevi “neoliberalismo triunfante”? Bem… um sistema que no conjunto da obra vem falindo o mundo, mais uma vez, no mínimo desde a “bolha” especulativa de 2008 – como se vê nos ajustes econômicos à fórceps, à custa dos empregos e direitos sociais, é óbvio. E que inclusive nos States (o Pai da Matéria) agora enfrenta a ira e o protesto de milhões de americanos, a partir da simbólica Wall Street. Ô, valeu aí o ipod e o iphone, Steve. Mas fora o mundo da grana e do individualismo (cada um viajando com seu fone de ouvido), dos que supervalorizam novidadezinhas e mais e mais funções dos gadgets – que a maioria sequer consegue utilizar plenamente – me parece que o papel do cara não foi tão grandioso assim. Posso estar errado, pois tenho o péssimo hábito, como diz Millôr Fernandes, de duvidar de todo o idealista que fica milionário com o seu ideal.
Como eu disse, sou muito cuidadoso na hora de classificar alguém como gênio da humanidade. Mas, se formos entrar na listagem que envolve – só como demonstrativo – Leonardo da Vinci, Dante, Shakespeare, Marx, Freud, Einstein e outros gigantes, vamos combinar: Jobs fica na categoria dente de leite. Com todo o respeito, claro.
2 respostas a Jobs, o profeta de um mundo de gadgets coloridos