Há dias (“Opinião”, 16/1), falando da leitura de jornais pela internet, escrevi que, agora, podia-se ter acesso a qualquer um, da Folha ao “Shinbone Star” e ao “Figaro-Pravda”. Era uma brincadeira, claro. Alguns leitores a decifraram de estalo e riram muito. O “Shinbone Star” e o “Figaro-Pravda” são dois famosos jornais que nunca existiram.
O “Shinbone Star” é o jornal de “O Homem Que Matou o Facínora” (1962), de John Ford, que o bandido Lee Marvin empastela antes de sair para duelar com o indefeso advogado James Stewart. E o “Figaro-Pravda” é o jornal do qual Eddie Constantine se diz repórter ao chegar à metrópole futurista no filme de Jean-Luc Godard, “Alphaville” (1965). O “Figaro” era o jornal mais reacionário da França, e o “Pravda”, o órgão oficial do Partido Comunista soviético –Godard anteviu que os dois um dia seriam a mesma coisa.
Eu poderia ter citado o “Daily Inquirer” ou o “Herald-Examiner”, mas temi que só os melhores ratos de cinemateca os identificassem. O “Inquirer” é o pasquim que Orson Welles compra e torna uma potência em “Cidadão Kane” (1941). E o “Herald-Examiner” é o jornal de “A Primeira Página” (1974), de Billy Wilder, em que o editor Walter Matthau faz todas as sujeiras para impedir que seu melhor repórter, Jack Lemmon, peça demissão para casar.
Nada supera um jornal de ficção, não? Vide o poderoso “Planeta Diário”, composto apenas de um diretor (Perry White), dois repórteres (Clark Kent e Miriam Lane), um “foca” (Jimmy Olsen) e zero fotógrafos.
Mas bom mesmo é o jornal romano não identificado para o qual Marcello Mastroianni trabalha em “A Doce Vida”. Não lhe exige entrevistar ninguém, nem tomar notas, nem mesmo ir à redação. Ao contrário, permite-lhe viver na noite, desfilar pela Via Veneto e tomar banho na Fontana de Trevi com Anita Ekberg.
Ruy Castro – Folha de S.Paulo