Se me perguntassem quem é, na minha opinião, o melhor escritor brasileiro em atividade, eu responderia sem pestanejar: Ruy Castro. Sim, Ruy jornalista, escritor, biógrafo, tradutor, palestrante, colunista da Folha de São Paulo e membro da Academia Brasileira de Letras e – como esquecer? – um dos primeiros críticos de histórias-em-quadrinhos da imprensa.
Ruy tem grande afinidade com as letrinhas, sabe escrever e escreve com conteúdo. Sua obra, aliás, é vasta e notável: os romances “Bilac vê estrelas”, “Era no tempo do rei” e “Os perigos do imperador”, as biografia de Nelson Rodrigues (“O anjo pornográfico”), de Garrincha (“Estrela solitária”) e de Carmen Miranda (“Carmen: uma biografia”) e as reconstituições históricas “Chega de saudade”, “Ela é carioca”, “A noite do meu bem”, “Saudade do século XX” e “Metrópole à beira-mar” – além de milhares de textos publicados em jornais e revistas.
Hoje, no entanto, quero restringir-me a uma das mais recentes produções de Ruy Castro: “A vida por escrito” – ciência e arte da biografia” (Companhia das Letras, 2022). Nela, Ruy, com base nos trabalhos realizados com Nelson, Garrincha e Carmen, ensina como fazer uma biografia, desde a escolha do biografado, a pesquisa criteriosa e detalhada, o esclarecimento das dúvidas e, enfim, a escrita. Explica desde logo: “A biografia não retrata somente o avesso do personagem, mas também o tempo e o espaço dele e das dezenas de coadjuvantes de sua vida”. E não pode – adverte – conter literatice ou romanceamento da história, sob pena de tornar o trabalho “um livro de ficção”. De igual modo, o biógrafo não pode aparecer, dar opinião ou tirar conclusões.
No entanto, “A vida por escrito” – sublinha Ruy – mais do que um manual de como escrever uma biografia, é “um relato de experiência de alguém que, depois de mais de vinte anos nas Redações de jornais e revistas do Rio e de São Paulo, e já tendo passado dos quarenta, descobriu um novo mundo a ser explorado pela única ferramenta que o acompanha pela vida: a palavra”.
Segundo Ruy, o homem faz biografia desde o primeiro borrão na parede da caverna. Com o passar do tempo e com a invenção da imprensa por Gutenberg, novas comportas foram abertas “e todas as formas de escrita saíram à luz”. Com isso, “novos recursos foram incorporados à investigação: conversas extensas com o biografado, a busca de depoimentos de contemporâneos e a leitura de seus papéis pessoais, como diários íntimos, originais inéditos e correspondência”. Sem falar nos acasos e coincidências.
É uma trabalheira danada, que pode levar de três a cinco anos. Até porque, uma biografia não se confunde com perfil, livro-reportagem ou ensaio biográfico.
O passo inicial é a escolha do biografado. Porque nem todo mundo dá biografia. E não se pode confiar em biografado vivo. “O problema é o conceito, sempre magnífico” – acentua Ruy –, “que todo biografado faz de si mesmo e que tentará impor ao biógrafo, porque é aquele que ele quer que prevaleça junto ao leitor”. De igual modo, nas chamadas “biografias autorizadas”, resta a dúvida: quem deve assinar o livro? O biógrafo ou o biografado?
Depois, vem as fases mais difíceis: a pesquisa e a apuração das informações. “A leitura desse material” – destaca Ruy – “permite estabelecer uma espécie de tronco narrativo”. E, com um trabalho paciente e artesanal de investigação, o biógrafo vai construindo o quebra-cabeça. E, de repente, descobre que o trabalho está praticamente pronto – “só faltando, como informa Ruy, ser ‘escrito’”.
Não é bem assim. Mas, quando, enfim, chega a fase da escrita. Ruy revela que “há várias técnicas para tentar prender o leitor” (…), mas nenhuma técnica fará sentido se o biógrafo não se ativer a três cláusulas que ele considera pétreas: a concisão, a clareza e a verdade. A elas, Ruy acrescenta duas virtudes possíveis: o charme e o humor.
Ademais, não é fácil escrever uma biografia. O texto deve ser lido e relido, e reescrito sempre que for necessário; haverá defeitos a corrigir e falhas a suprir. Mesmo quando se dá por satisfeito, Ruy conta que imprime para reler, porque a leitura em papel lhe dá uma visão de texto equivalente à do livro. Ainda assim, ainda pode entrar em cena a caneta para novos cortes ou acréscimos.
Ruy só sossega quando o material vai para a editora. Mas nada o impede de dar ainda uma olhadela nas provas gráficas.
“A vida por escrito” – a partir do título, um verdadeiro achado – é uma preciosidade, que, além de ensinar, traz informações e curiosidades sobre a arte de escrever e encanta o leitor pelo estilo fluente do autor. Aliás, aí está um volume a ser traduzido para outros idiomas, pois é também leitura imprescindível para biógrafos de além fronteiras.
Ruy Castro é mineiro de Caratinga, mas ninguém adulou e enalteceu tanto o Rio de Janeiro, sua gente e seus talentos quanto ele. Os cariocas devem-lhe eterno agradecimento.