Jornalismo sob fogo

São tempos de ataques à liberdade de imprensa no Brasil e pelo mundo

O ambiente de ameaça à liberdade de imprensa e o aumento dos riscos ao exercício da prática jornalística continua a se espraiar por todo o mundo —a tal ponto que o professor de direito americano Stephen Gillers, em título de livro recém-lançado, definiu os dias atuais como aqueles em que o “jornalismo está sob fogo”.

A versão brasileira desse ataque teve seu capítulo mais recente com o episódio de censura a uma publicação eletrônica após decisão de um ministro do Supremo Tribunal Federal.

Na sexta-feira, 12, o ministro Alexandre de Moraes determinou que a revista Crusoé tirasse do ar reportagem que informava que seu colega e presidente da Corte, José Antonio Dias Toffoli, era a pessoa designada em delação premiada do empreiteiro Marcelo Odebrecht como “o amigo do amigo do meu pai”. Odebrecht explicou que o diretor jurídico da empresa tratava com o então advogado-geral da União do governo Lula sobre temas envolvendo a hidrelétrica do rio Madeira. Não atribuiu a ele crime ou suspeita.

“Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Ponto. Simples assim”, justificou Toffoli, que chegou a definir a revista como “imprensa vendida”.

Moraes também determinou que a Polícia Federal executasse uma série de mandados de busca e apreensão em controverso inquérito aberto por Toffoli para apurar ataques a membros do tribunal. Os alvos eram personagens com pouco mais de um punhado de seguidores nas redes sociais.

ação dos dois ministros foi prontamente rechaçada por entidades jornalísticas, juristas, associações de defesa da liberdade de imprensa e de expressão e, o mais importante, por membros do próprio STF.

“A censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República”, afirmou o ministro Celso de Mello, o decano da Corte constitucional. Após a reação dura, o próprio Alexandre de Moraes recuou da decisão. Percebeu que seria derrubada facilmente no plenário do STF, caso fosse lá apreciada.

Para completar o período de sombra, houve a condenação à prisão do humorista Danilo Gentili por ofensas à deputada Maria do Rosário (PT), a sugestão de processo de um promotor contra o humorista Gregório Duvivier por declarações sobre o ministro Sergio Moro e a detenção do fundador do Wikileaks, Julian Assange, após sete anos de reclusão na embaixada do Equador em Londres, de onde pode ser extraditado para os EUA ou Suécia.

Todos os episódios acima —cada um a seu modo— exemplificam que o momento atual está repleto de ameaças à liberdade de imprensa e de expressão, soterrando a ideia de que a era das redes globais digitais seria marcada pelo triunfo da comunicação sem censura.

Em seu relatório 2019, o Conselho Europeu para a Proteção do Jornalismo e Segurança dos Jornalistas traçou um cenário preocupante: “A liberdade de imprensa é mais frágil agora do que em qualquer época desde o fim da Guerra Fria. Os jornalistas enfrentam cada vez mais obstrução, hostilidade e violência enquanto investigam e relatam em nome do público.”

A entidade defende ações urgentes “para melhorar as terríveis condições da liberdade de imprensa e para fornecer proteção confiável aos jornalistas, prática e legal”.

Segundo o relatório, o espaço da imprensa para cobrar responsabilidades de autoridades governamentais e de poderosos foi diminuído e a impunidade tem protegido os responsáveis por crimes violentos que visam deliberadamente jornalistas por seu trabalho.

ONG Repórteres Sem Fronteiras, que acabou de divulgar seu Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa no qual avalia 180 países, concluiu pela existência de uma “mecânica do medo prejudicial ao exercício sereno do jornalismo”.

A manipulação política nas redes sociais e a proliferação dos discursos de ódio foram responsáveis por colocar o Brasil no 105º lugar do ranking, três posições abaixo de 2018.

Tudo parece sempre novo e em constante mudança nos tempos atuais. Estava preparada para escrever que os desafios e os cerceamentos ao jornalismo são cada vez maiores e preocupantes na sociedade da informação constante e instantânea.

Num velho livro sobre jornalismo, deparei-me, no entanto, com uma frase cunhada há 250 anos, que revela que nem tudo é tão novo no front: “A liberdade da imprensa é uma bênção quando estamos inclinados a escrever contra os outros e uma calamidade quando nos vemos assediados por quem faz uso dela”, definiu o escritor inglês Samuel Johnson (1709-1784). Nada mais preciso, incômodo e, pelo visto, perene.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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