Kamikase – O vento divino

A farra foi grandíssima. De uma única pernada, atropelaram as leis eleitorais, mandaram às favas a responsabilidade fiscal, destelharam o telhado de gastos, falsificaram a regra de ouro e cobriram de insultos a Constituição. Deputados e Senadores viabilizaram a trapalhada, ao custo de mais de R$ 40 bilhões, através do reconhecimento (?) de um inusitado estado de emergência

“Em farra de rato, cedo acaba o queijo”

Dito popular

“A PEC Kamikaze começou a se transformar na PEC Virtuosa das Bondades”

PG ‒ “o Posto Ipiranga”

 Os governos dos países atuam na Economia através de ações de política econômica no sentido de orientar o crescimento, com estabilidade de preços, evitando as flutuações, garantindo o emprego e promovendo o máximo possível de equidade de renda.

Dentre os diversos instrumentos à sua disposição, um dos mais importantes é a política fiscal; através desta, arrecada os tributos (“sua renda”), os quais destinam-se a financiar seus gastos, necessários para manter a “máquina” em funcionamento e prover os serviços públicos indispensáveis à população.

A manipulação dos tributos e dos gastos públicos, para cima ou para baixo, faz parte do arsenal de que os dirigentes se utilizam para atuar, seja no estímulo à atividade econômica quando deprimida, seja no inibir despesas de consumo e investimento em momentos de recrudescimento inflacionário.

Quando necessário o estímulo, a política expansionista objetiva incrementar a demanda, aumentando as despesas governamentais ou reduzindo a tributação ou mesmo através de transferências diretas à população. Os economistas denominam a esta ação o preenchimento do hiato recessivo.

Em situação inversa, para controlar o processo inflacionário, a ação tem de ser contracionista com o intuito de redução da demanda, invertendo as três ações descritas no parágrafo anterior, de forma a inibir o hiato inflacionário.

As transferências efetivadas pela PEC “kamikaze”, “vento divino”, “eleitoral”, “das bondades” ou qualquer outro nome ridículo que a queiram batizar, não guardam nenhuma relação com a racionalidade macroeconômica, com as estratégias acima descritas. Seguem uma única lógica – a eleitoreira –, visando garantir a presença de Bolsonaro no segundo turno.

A farra foi grandíssima. De uma única pernada, atropelaram as leis eleitorais, mandaram às favas a responsabilidade fiscal, destelharam o telhado de gastos, falsificaram a regra de ouro e cobriram de insultos a Constituição. Deputados e Senadores viabilizaram a trapalhada, ao custo de mais de R$ 40 bilhões, através do reconhecimento (?) de um inusitado estado de emergência. A desfaçatez é espantosa, não há limite para o descaramento, não há restrição para o exercício pleno e altaneiro do cinismo.

As manobras de Lira e Pacheco, nas duas casas legislativas, surpreenderam mesmo aqueles mais habituados às negaças e dribles outrora encetados por outro presidente da Câmara, este defenestrado. Ultrapassada a CCJ, esquecidos os tempos regimentais entre votações, caradura em transformar a quarta-feira dia 13 em segunda-feira ou sexta-feira de forma a viabilizar o voto virtual. Afinal, suas excelências tinham de estar em suas bases para a campanha eleitoral, que por sinal legalmente (isto ainda existe?) não começou.

As oposições, todas elas, submissas à astúcia do Centrão, enroladas e manietadas pela velhacaria engendrada pelos espertalhões, não foram capazes de um gesto austero, estoico e digno – votar contra, escancarando com firmeza o estelionato praticado com impostura. Como se o eleitor brasileiro fosse um estafermo atoleimado incapaz de entender a sujeira da operação caça-voto. Não é! Embolsaria a “ajuda” e votaria corretamente.

O pacotão é ruim do princípio ao fim. Mal focado, ou alguém em sã consciência crê que caminhoneiros e taxistas (nada contra as dignas categorias) devem ser priorizados neste momento de ascensão da miséria? *E mais, o preço a pagar lá na frente, em 2023, pelo povão será desastroso, seja quem for o presidente a tomar posse em janeiro. Contrata-se hoje com a irresponsabilidade eleitoreira a certeza da incerteza fiscal e, com ela, aceleração inflacionária – alta de juros –, inibição do investimento – crescimento pífio ou nenhum –, desemprego e, finalmente, mais pobreza. O presidente do Banco Central, Campos Neto, não deve dormir, pois, a cada “ideia brilhante” do governo nonsense, há que pensar como consertar o estrago.

A orgia fiscal foi implementada com o aval do “liberal” (ainda?) Paulo Guedes, um “chicaguiano” que sempre se declarou autêntico, que afirmou ter lido três vezes Keynes no original (haja paciência), parece que agora desdenha a lição do guru Milton Friedman: “Não há almoço grátis”. Realmente, não há. Pagarão, como sempre, os que menos têm condição de se protegerem da carestia e do desemprego, fácil adivinhar quem são eles, não?

O índice de GINI saltou de 0,5328 em 2020 para 0.5525 em 2021. (Quanto mais perto de 1, mais a renda é concentrada e por tal maior a desigualdade)

Em tempo: noticiou-se que o Ministério da Mulher e da Família solicitou a investigação dos médicos que, seguindo a lei, propiciaram o aborto da menina de 11 anos estuprada. As mulheres que têm defensores como esse não precisam de inimigos.

Helcio Gadret

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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